Os livros nas minhas viagens: Grécia

(Actualizado a 21/04/2025)

O melhor estímulo que tenho para descobrir autores e histórias novas é viajar para um destino novo. Desde que comecei a preparar e a liderar uma viagem na Grécia, acrescentei vários títulos e escritores à minha biblioteca. Aqui ficam os que mais me entusiasmaram e/ou ensinaram, até agora:

The Alexander Trylogy, Mary Renault

Três livros que contam a vida e morte de Alexandre, o Grande. Em Fire from Heaven a sua infância e adolescência, até se tornar rei da Macedónia aos 20 anos, é contada por um narrador incógnito. The Persian Boy conta a sua vida e conquistas, na perspectiva de Bagoas, o eunuco e amante que o acompanhou, após passar de Dario, o rei persa, para ele. Termina com a sua morte. Funeral Games acompanha as guerras e intrigas palacianas e o desmembramento do império conquistado por Alexandre, após a sua morte.

São três livros muito diferentes, todos óptimos. O meu favorito é The Persian Boy, talvez pela sensação mais intimista da perspectiva em que é narrado. São livros muito bem documentados, que nos ensinam bastante sobre a história e as lutas das cidades-estado gregas e dos persas no século IV a.C., mas são essencialmente três grandes romances. Mary Renault consegue colocar-nos no meio da acção, seja essa acção a birra de um rapazinho pela atenção do pai, rituais religiosos da mitologia grega, travessias e guerras, as aulas de Aristóteles ou o amor entre dois homens. A sua afirmação “Se as personagens estão vivas devemos saber como fazem amor” diz muito sobre a maneira como conta a História.

Esta autora tem vários outros livros que recriam, em romance, mitos e história da Grécia Antiga. Tenho a certeza que lerei também alguns deles no futuro.

Vida e Andanças de Alexis Zorbás, Nikos Kazantzakis

Mais conhecido como Zorba, o Grego por causa do filme nele inspirado. Alexis Zorbás é um personagem apaixonante e irritante. Ao mesmo tempo, um doce e uma besta. Tem de se ler o livro à luz da sua época (como todos) para deixar passar a misoginia e o machismo paternalista que transparecem, mas, à parte isso, é intemporal.

Fala do sentido da vida, do amor, da amizade e da busca incessante por algo sempre inalcançável que caracteriza os espíritos irrequietos. E fala da Grécia. Quem lá esteve consegue reconhecer aquelas paisagens e cheiros, uma certa maneira de existir, ainda que com décadas de distância. Fiquei com muita vontade de ler mais coisas do autor.

A Thing of Beauty: Travels in Mythical and Modern Greece, Peter Fiennes

Este livro foi uma óptima surpresa. Dei com ele numa prateleira de livros em inglês, numa livraria em Atenas e li-o nos 11 dias que dura a viagem que lidero na Grécia. Um livro que relata uma viagem, em 2021, por vários lugares importantes na mitologia da Grécia Antiga e que é uma reflexão sobre a desesperança dos efeitos da humanidade na natureza, a possibilidade de esperança na actualidade e quais os ensinamentos que ainda podemos retirar desses mitos.

Parecem demasiados temas para um livro de viagens, mas funciona muito bem. Os mitos são contados com humor, as descrições dos lugares são ao mesmo tempo precisas e poéticas, sem serem aborrecidas, e as reflexões tocam em vários temas e idiossincrasias do comportamento humano e do estilo de vida moderno que me apoquentam muitas vezes também.

Serenity, Ilias Venezis

Mais uma aquisição resultante das buscas de livros em inglês, numa outra livraria em Atenas. Este livro acompanha a vida de um grupo de refugiados gregos, deslocados da sua terra na actual Turquia aquando da troca de populações entre a Grécia e Turquia, em 1922. É uma obra de ficção, muito informada na realidade do autor, nascido numa destas comunidades greco-turcas da Ásia Menor. Com apenas 18 anos após a guerra Greco-Turca, foi ele próprio preso e obrigado a trabalhos forçados na Anatólia por 14 meses, antes de ser enviado para a Grécia em 1923.

São vários os personagens, com personalidades muito diferentes, e a história é contada através das suas interacções e diálogos. Até os objectos inanimados como as salinas, as árvores ou o mar têm uma palavra a dizer. A escrita é ritmada, umas vezes poética, outras mais directa e práctica. São histórias duríssimas, como foram seguramente as vidas destes refugiados, carregadas de emoções e contradições. No romance, a própria terra que lhes foi atribuída, árida e inclemente, parece conspirar contra eles. Sabemos das suas lutas, amores, a extrema hostilidade das populações locais, a tentativa de esperança e de encontrar um significado para a sua vida, comum a todos os humanos. 

Eleni, Nicholas Gage

Este livro foi a minha primeira introdução aos horrores da guerra civil grega de 1944–49. Confesso a minha ignorância, à altura, sobre esse episódio tão horrível e tão marcante da história da Grécia e o livro impressionou-me muito. É um pouco estranho dizer que se gostou de uma história tão difícil, principalmente quando ela é real, mas foi um dos meus livros preferidos de 2022. Escrevi, na altura: “A prova que os livros, como a vida, podem ser, ao mesmo tempo, terríveis e belos, sufocantes e transformadores. E de como, na guerra e no que lhe segue, o cinzento é a única cor e não há nunca vencedores, somos todos vítimas.”

Nicholas Gage, jornalista consagrado, fugiu em criança de uma aldeia do norte da Grécia durante a guerra civil, em 1948. Num plano elaborado pela sua mãe, escapou com as suas irmãs, das montanhas para os EUA, para não ser, como tantas crianças nessa época, levado pelos comunistas para “campos de educação”  do outro lado da cortina de ferro. Eleni, a mãe, ficou para trás para que eles pudessem partir, sofrendo a tortura certa e o fuzilamento. O livro, de 1983, acompanha o autor no desenterrar, revelar e honrar a história da sua mãe, dos seus carrascos e da vida nas aldeias das montanhas gregas nesse período.

North of Itaka, Eleni N Gage

Filha de Nicholas Gage e também ela jornalista, Eleni decide recuperar a casa da família de onde o pai teve de fugir e a avó foi assassinada, na aldeia de Lia, norte da Grécia. Vinte anos depois da publicação do livro onde o pai conta a história da avó (sua homónima), deixa o seu apartamento e uma vida confortável em Manhattan e muda-se, durante um ano, para a aldeia. Vai em busca das suas raízes e na tentativa de, ao reerguer a ruína, promover alguma pacificação com a história terrível que ela carrega.

Apesar do peso dessa história, é um livro bem mais leve que o do pai. Não é tão bom, chega a ser um pouco superficial demais, mas lê-se bem. Transmite o que se sente hoje em dia nessas aldeias despovoadas, mas lindas, do norte da Grécia: o peso da tradição, a desconfiança com estranhos, o orgulho, mas também a vergonha na história. Tem episódios muito engraçados de, ao mesmo tempo, choque e identificação cultural e conta vários costumes e peculiaridades dos gregos e do seu folclore. 

Greece: Biography of a Modern Nation, Roderick Beaton

Outro achado das livrarias atenienses. Roderick Beaton é um historiador e professor de História, Literatura e Língua Bizantinas e História da Grécia Moderna, com vários prémios e distinções pelo seu trabalho como investigador e escritor em Inglaterra. Para além disso, foi agraciado com a distinção de Comandante da Ordem de Honra da República Helénica pelas suas contribuições para o estudo da história da Grécia. Todas estas distinções não são necessariamente sinais de livros entusiasmantes, mas esta sua “biografia” da Grécia moderna lê-se quase como se de um romance se tratasse, sem descurar a exactidão histórica. 

Muito bem documentado, sem tomar partidos em temas que são, ainda hoje, fracturantes e complexos, mas sem nunca ser chato, avança cronologicamente desde o século XVIII (com uma breve contextualização da região antes disso) até 2018. Nas palavras do autor, é um livro que “explora as formas como os gregos de hoje se tornaram quem são, os dilemas que eles e as gerações anteriores enfrentaram e as escolhas que, subsequentemente, os moldaram. Acima de tudo, é um livro sobre o processo evolutivo de uma identidade colectiva.” 

Pus já na minha lista de futuro, Os Gregos: Uma História Global, do mesmo autor.

The Ancient Greeks for Dummies, Stephen Batchelor

Não é o tipo de livro que costumo ler, mas um dos meus viajantes estava a lê-lo durante a viagem e partilhou o livro connosco. E a verdade é que é um livro fácil de ler, que dá uma ideia geral da história da Grécia Antiga e da mitologia grega, de uma forma engraçada. Não é nenhuma obra de arte, mas cumpre bem o seu papel.

Salt Of The Earth: Secrets And Stories From A Greek Kitchen, Carolina Doriti

Um livro de receitas que conta também a história dos alimentos mais usados na Grécia e o porquê de determinadas confecções. A autora é apaixonada por gastronomia e é uma das guias das visitas da Culinary Backstreets Athens.

Foi uma prenda do Borja, depois de ver o meu entusiasmo com a cozinha grega (e de a provar ele também). É um livro muito bonito visualmente e as receitas parecem deliciosas. Ainda estou por experimentá-las e por ler o livro todo, mas gosto imenso de abrir uma página ao acaso e ver o que sai. 

Mythos: Greek Myths Retold, Stephen Fry

Como o nome indica, Stephen Fry reconta a mitologia grega, à sua maneira. Isto significa que aprendemos as estórias dos deuses do Olimpo numa linguagem actual e de uma maneira muito engraçada, sem que percam a sua erudição e a motivação moral e de explicação do mundo que, supomos, as originou. Nota-se a paixão do autor por estas histórias e ele não se coíbe de partilhar as reflexões que estas lhe despertaram, o que é também uma parte interessante do livro.

Li-o num instante, ri-me muito e aprendi ainda mais.

Fry tem, na mesma colecção, mais três livros sobre a mitologia grega que ainda não li, mas lerei: Heroes; Troy; Odyssey.

My Family And Other Animals; Gerald Durrel

Ao contrário do que me é costume, vi a série baseada neste livro, antes de ler o livro. Havia-me sido recomendada por viajantes, durante a viagem à Grécia que lidero, e vi as quatro temporadas de seguida. Percebi depois que ambos, livro e série, eram muito queridos por vários amigos meus. E estão já, também, num cantinho ternurento para mim.

O livro conta as histórias da família Durrell, em Corfu, nos anos trinta. Ingleses, quase falidos e a precisar de uma mudança depois da morte do pai, os três irmãos e a mãe mudam-se para a ilha grega. O livro acompanha as suas aventuras e desventuras, enquanto se instalam em quatro casas diferentes, se relacionam de forma hilariante uns com os outros, com vários habitantes da ilha e outros tantos visitantes, e Gerald se dedica a explorar e acumular a vida animal local. O livro é escrito precisamente por Gerald, que veio a tornar-se um famoso conservacionista.

Salonica: City of Ghosts, Mark Mazower

Este livro foi-me recomendado pelo Giorgos, o meu guia em Thessaloniki que me ajudou a perceber melhor esta cidade fascinante, mas difícil de entender à primeira vista.

Mark Mazower é um historiador premiado, que conta aqui a história complexa e atribulada da cidade entre 1430 e 1950. Ponto de encontro do oriente e ocidente durante a ocupação otomana, Thessaloniki foi, por cinco séculos, uma das mais diversas sociedades europeias.

Focando-se na forma como cristãos, muçulmanos e judeus coexistiram e se destruíram, o autor conta, de forma evocativa e trágica, como ali se formou um mundo imperial cosmopolita e tolerante, que desapareceu sob o peso do nacionalismo, do fogo e das duas guerras mundiais, e como essas forças moldaram a cidade que vemos actualmente.

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