Reza a lenda que há uma senhora que, como tantos, veio para Varanasi para morrer há 35 anos. Entretanto, tem 109 anos e continua por aqui.
Nós, não viemos para morrer, e ficamos apenas alguns dias, mas quis o destino que nos juntássemos os três nesta cidade milenar, mágica, cheia de contrastes e contradições, caos e calma, beleza e miséria, cor e escuridão.
Eu e o Pedro já nos podiamos conhecer há anos. Amigos e interesses comuns. Mas não. Apenas um encontro esporádico em Lisboa e conversas virtuais. O Zé nao conhecia nenhum dos dois. Segue online a caminhada solidária de Agra a Kathmandu que o Pedro está a fazer, e calhou estar em Varanasi hoje. E porque uma coincidência nunca vem só, e as ligações parecem estirar-se em rede, o Zé também cresceu em Oeiras como eu, e foi o primeiro doador do crowdfunding do Pedro.
Andámos sempre perto uns dos outros, mas encontrámo-nos hoje, em Varanasi. Para uns chai sentados nos ghat. Para um passeio de barco com a lua cheia a nascer. Para ver a noite cair sobre a cidade, do outro lado do Ganges. Para jantar num terraço simples, mas com a melhor vista e comida feita em casa. Sem planos, os momentos vão-se sucedendo naturalmente.
A pousada onde está o Zé é de Jhuma e do Sr. Ashishe. “Without the H” diz ele, com um sorriso maroto. Quando chegamos já não é cedo, mas ainda assim Jhuma faz-nos o jantar. O carinho e a hospitalidade deste casal são impressionantes. Sente-se no ar. Percebemos agora o que nos contava o Zé uns momentos antes. Porque é que passa horas, de manhã enquanto o sol nasce, e há tarde enquanto de põe, só sentado ali, enquanto Jhuma lhe traz comida e conversa e ele vê a vida nos ghat e o rio a passar.
Fazemos o mesmo, os três nesta noite trocando histórias de viagem, sentimentos de comunhão, aprendizagens, desejos e planos futuros, inseguranças e certezas. Inspirando-nos mutuamente. Partilhando esta vontade de conhecer o mundo com calma, com tempo para deixar a vida acontecer.
Perguntar-me-ei mais tarde se teria Varanasi sido tão especial sem este encontro. Varanasi é única, mas são os lugares que fazem os momentos especiais, ou os momentos alteram a nossa percepção dos lugares?