Cruzo os portões de Santa Apolónia ainda a decidir se caminho para casa ou apanho um táxi. Estou cansada, mas a noite está quente e o corpo moido de 3 horas e meia de comboio, quieta. O Johnny Cash, apesar de já calado nos meus ouvidos continua a ecoar na cabeça “And I can’t help but wonder where I’m bound, where I’m bound…”. Caminhar vai fazer-me bem.
Em frente ao Museu Militar vejo um vidrão pintado. Dois bonecos e uma frase ” I (heart) LX”. Sorrio. É verdade, e não é pouco.
A rua do ISPA está deserta. Passam dois rapazes de bicicleta. Cruzo a estrada no Largo do Chafariz de Dentro para entrar em Alfama. Desligo os Junior Boys dos ouvidos e ouço a cidade. Em boa altura. Subo pela Rua de São Pedro. Há gente nas esplanadas e Fado no ar. Sai de várias casas. Vozes diferentes, o mesmo sentimento. Vejo vizinhos à janela, e turistas a passear.
No Largo de São Rafael canta-se na rua. Não paro nunca, mas vou abrandando o passo. Isto também é chegar a casa, agora. É reconhecer-me nesta calçada e neste som. Intemporal apesar das mudanças. É saber que há um século que esta é a banda sonora, e isso faz sentido. E faz sentido que eu me reconheça nela, agora, ainda que sempre pense em partir, depois. Há algo de esquizofrénico nesta minha relação com Lisboa e o Mundo.
Continuo sempre. Passo o Cruzes Credo, com a Sé iluminada à direita. Há vizinhos mais novos sentados na esplanada com os seus cães, e mais turistas. Penso em como podemos manter o equilibrio entre a autenticidade e este desenvolvimento brusco dos ultimos anos. Entre manter nossos os nossos espaços, mas continuar a receber bem quem nos visita.
E eu, que já me senti visita neste sitio, meto hoje a chave à porta aqui. Por agora.