Andamos há um dia e meio pela Peninsula de La Guajira. Ontem, já maravilhados com as cores do deserto, a contrastar com o verde do mar, onde esse mesmo deserto acaba, dormimos em Cabo de la Vela. Um telhado de folhas de palmeira e hamacas. Acordámos com o nascer do Sol nos olhos e em silêncio, cada um no seu canto da praia, vimos o céu passar de rosa a laranja a azul. O Sol a subir, a ficar mais pequeno e mais amarelo, a ganhar em calor o que perdia em côr.
Agora estamos em Pusheo, diz-nos Fredy, o nosso condutor. Para nós é uma casa no meio do nada, onde vamos almoçar.
Pedimos e esperamos. Martjin e Ninkje perguntam, em brincadeira, se alguém tem um poema para declamar, para passar o tempo. Matt puxa do seu caderninho. Tem dois. Um deles foi escrito esta manhã, enquanto víamos o nascer do sol. Lê-os.
Então, porque palavras inspiram palavras, e lugares inspiram palavras, este é para o Matt e para La Guajira.
Falamos de pássaros sem asas
e caranguejos transparentes
que acordam,
como nós,
ao nascer do sol.
Falamos da vida que nasce
dos buracos mais improváveis.
De crianças que se aborrecem
segurando correntes numa estrada
que não é uma estrada.
De crianças que nos fitam
com olhos vazios,
enquanto falamos uma língua que não entendem.
Falamos de cabras
que dominam o caminho
e são comida
de gente que domina o inferno.
Povo do vento.
Falamos da vida
na morte aparente.
Do verde que desponta
de troncos cinzentos.
Mortos?
Lemos poemas
em mesas de almoço gordurosas,
sufocados pelo calor do deserto,
rodeados de cactos
e ramos secos.
Há um vestido de gala
pendurado num terreiro,
isolado.
Cães com pulgas
procuram sombras.
Falamos de pássaros sem asas
enquanto esperamos por peixe frito.