1200 degraus.
Ainda não são seis da manhã e já estamos em pulgas para saír. Ismael, o nosso guia, avisou-nos que devíamos ser os primeiros a partir, se queremos apanhar a Ciudad Perdida sem gente. Nós queremos. Queremos muito. Separam-nos dela 20 minutos de caminho, e depois 1200 degraus. É o terceiro dia de caminhada, e foi para isto que suámos os outros dois.
Começámos às 11 horas do primeiro dia, depois de almoço. Não foi um dia particularmente duro, mas deu para perceber o que nos esperáva. Subidas intermináveis e humidade. Tanta humidade. Nós transpiramos e a terra transpira e tudo está molhado. O nosso suor fica empapado na roupa, o da terra evapora e fica preso nas árvores, no cimo das montanhas, formando manchas brancas de névoa no meio do verde. O suor da terra é mais bonito que nosso.
No segundo dia, subimos e descemos, subimos, subimos, subimos, descemos, descemos, descemos. Cruzamos o Rio Buritaca por uma ponte, afastamo-nos dele, subimos, descemos, subimos, descemos. A humidade torna o ar espesso, mais difícil de respirar. Há paisagens abertas lá em cima, a serra a toda a volta, verde, verde, verde, e paisagens fechadas cá em baixo, árvores que se debruçam sobre nós, verde, verde, verde. Subimos e descemos, subimos e descemos.
A terra é quase vermelha, há lama em muitas partes. Várias horas depois voltamos a cruzar o Buritaca, desta vez a pé. A água fria sabe bem. O banho de rio da hora de almoço deixou de fazer efeito dez segundos depois de voltarmos a caminhar. As t-shirts parecem acabadas de tirar de dentro de água, mas é só o nosso suor.
Cheira a terra, cheira a folhas, cheira a fruta madura, cheira a rio, a água, a pedra polida. Também cheira a bosta de mula. Há noite, nos acampamentos, cheira a fumo dos fogos para a comida e cheira a humidade nos colchões. Acordamos à noite, jantamos ao pôr do sol e deitamo-nos antes das oito. Começamos a andar mal há luz
Começamos então a subir. São só 1200 degraus de pedra que nos separam da Ciudad Perdida, Teyuna. Não são uns degraus quaisquer. Por estes degraus passaram já milhares (milhões?) de pés, durante centenas de anos. Nestes degraus choveram milhões de chuvas, passaram milhões de animais, nasceram e cairam árvores.

Estes degraus acusam todas estas passagens. Estão partidos, polidos, enlameados, atravessados por raízes. Às vezes não chegam para uma ponta do pé, às vezes fazem-nos escorregar, às vezes subimo-los dois a dois, outras temos de nos auxiliar dos braços para subir um. Subimos e subimos.
Não paramos nunca, a Isabel e eu. Deixamos os nosso companheiros de grupo para trás. Ignoramos o cansaço e o suor. Quando achamos que acabou, uma curva, e mais degraus. Atingimos o primeiro nivel da cidade. Já há círculos, pedras, indicações. Voltaremos aqui depois, mas agora buscamos a vista sobre esta cidade milenar, sobre os círculos maiores, e isto ainda não é isso. Subimos mais uns quantos degraus, contornando cilindros e cilindros de pedra com relva no topo. Estamos numa clareira. Em frente, um monte. É ali. Estamos no topo daquilo que veremos do outro lado. Um entusiasmo quase infantil apodera-se de nós. Aceleramos. Somos as primeiras.
Ouve-se apenas o rio e pios de pássaros. Subimos os três niveis de círculos que tem o monte sem sequer olhar para trás. Chegamos ao topo. Aí está, Teyuna, a Cidade Perdida dos Tayrona. Os dois círculos maiores, e os diferentes níveis, com outros mais pequenos à sua volta, rodeados pelas montanhas, cerradas de árvores. O sol começa a sair de trás delas, mas o vale ainda está à sombra, só há luz nos topos. O céu está azul. Uma única nuvem abraça um dos picos.

Fomos as primeiras e a recompensa disso, aquilo que buscávamos, é termos esta vista, limpa de pessoas. É termos o silêncio da natureza que rodeou e escondeu este lugar durante centenas de anos. É termos a panorâmica perfeita da terra de um povo que os espanhois exterminaram, de onde descendem as tribos que hoje habitam esta serra: os Kogui, Wiwa, Arhuaco e Kankuamo. Lugar sagrado para eles, que temos o privilégio de poder visitar. Sentamo-nos e deixamo-nos maravilhar.
