Há dias de acordar com as galinhas, e dias de já nem as ouvir. Há dias de ser a primeira, e dias de acordar para 4 cães a pedir festas e cheiro a café recém feito, o orvalho a fazer brilhar o verde. Há dias de mexer os ovos para o pequeno almoço, e queimar a primeira arepa, e dias de esperar no alpendre, livro na mão e sol na testa que a comida chegue à mesa. Há dias de recolher estrume de cabras, e galinhas e coelhos, e encher sacas de biocompost maduro, e dias de passar a manhã a escrever.
Há dias em que, ao cair do sol, as cabras já estão no curral, mas uma se tenta escapar. Acho que é Olga. Nesses dias, Blas, o pastor alemão, fica sentado em frente ao portão, a guardar que não volte a acontecer. A essa hora, quatro galinhas já subiram para cima de um dos limoeiros, para dormir. Uma branca, uma preta, uma castanha e um dos galos, dourado, vermelho e preto. Cacarejam, de vez em quando. Richard Parker, o gato bege tenta subir a uma árvore. Desiste a meio e salta para o chão. Kini, um dos pequinois, dorme aos meus pés. Mago, o outro, dorme à porta do quarto. Kenia, a labrador preta está deitada na relva. Apenas se lhe vê a cabeça preta no meio do verde. Quatro patos passam a correr e a grasnar. Christian toma banho, Alejandra não sei onde anda e Gloria está na hamaca a ler. Eu leio Hemmingway no alpendre.
Há dias de partilha de muitas histórias. E dias de ter tempo para fazer um almoço onde recolho a salsa, a menta e os limões directamente do jardim. Dias em que o sol entra num ângulo perfeito para realçar o verde e o lilás das flores. Dias em que as nossas refeições coincidem com as dos beija-flor. Dias de ir buscar as cabras ao pasto com os cães a correrem contentes à minha frente.
Há dias em que um pastor alemão gigante cuida, como se fosse uma gata, de 5 gatinhos de 3 semanas.
Há dias em que vejo alegria nos olhos de um casal, ao colher um bróculo gigante da sua horta. Dias em que distribuo compost com as mãos, plantinha a plantinha, de cócoras, ao pôr do sol, e distingo apenas pelas folhas que apenas começam a despontar, salsa, coentros, cebolas, courgetes, aipo, bróculos e alfaces. Dias em que percebo nos olhos dos outros, o amor aos animais, à terra, aos diferentes tons de verde das plantas. Em que percebo a diferença que esse amor faz no sabor dos alimentos.
Há dias de leitura interminável numa hamaca. “Amor em Tempo de Cólera” ao som de Mercedes Soza, balidos de cabra, cacarejos de galinhas e o vento através das árvores. Dias de despedir da Gloria às 6 da manhã, e de histórias de abuelitas resistentes, que persiguem ladrões com catanas nas mãos, e que vieram visitar os “netos malucos”. Dias de fazer tintos para todos, e comer arroz com frijoles, feitos por mães saudosas que vêm também visitar. Domingos com familias alheias, felizes de partilhar comidas e conversas.
Há todos os dias em que agradecemos a comida, a companhia, a chuva e o sol. Há dias em que me dizem que, mesmo com pouco dinheiro, se acreditares e tiveres amor no que queres fazer, as coisas acabam por se resolver, e vejo ao vivo isso a acontecer. Dias em que leio sobre cooperação e permacultura, e vejo ao vivo isso a acontecer.
Há dias em que de repente somos nove, de três continentes diferentes, juntos pela vontade de partilhar, ajudar e aprender. Dias em que se me nota a falta de práctica com a enchada, pelas bolhas nas mãos depois de plantar cana de açúcar.
Há dias em que é Natal, e somos doze. Familia real e família provisória, felizes de partilhar a mesma mesa. Dias em que fazemos fogueiras gigantes no quintal, e mexemos panelões de natilla com troncos. Dias em que se fritam buñuelos e se partilham receitas de saladas. Dias em que o cheiro a pimento assado me leva a Lisboa no Verão, e isso me faz sorrir em Dezembro, na Colombia.
Há dias em que percebo que uma vida totalmente de campo não é o que quero, mas que sei que estou no sitio certo, no momento certo. Dias em que, silenciosamente, agradeço por esse, e todos os outros dias.
( Momentos passados na Granja Vidar, perto de Guatapé, na Colombia. Foram 10 dias em que, supostamente, estaria a trocar alojamento por trabalho, mas acabaram por ser muito mais do que isso. Alejandra e Cris, o casal jovem que está a desenvolver a quinta de forma orgânica e seguindo principios de Agro-Ecologia tratam todas as pessoas que os visitam como parte da família. Faltam-me as palavras para descrever o carinho que senti, e o amor que transmitem pelo campo e pela natureza. Podem acompanhar o trabalho deles no facebook aqui )