Se eu não trocasse alojamento por trabalho não me via no meio de Argentinos no meu primeiro dia em Baños, a prender fuego para um assado, recebida como em casa apesar de andarmos todos na estrada.
Não subiamos nove num carro para o monte oposto a um vulcão em erupção, para vê-lo expelir nuvens de fogo, o som da explosão a chegar segundos depois da imagem e das nossas exclamações de espanto e encanto, a lava a escorrer monte abaixo. A dona do hostel, Vivi, Equatoriana ao volante e 8 voluntários, eu, os Argentinos, uma Boliviana e uma Chilena, apertados e felizes entre o porta bagagens e os assentos, a sair do carro que não andava nas subidas mais ingremes, entre o riso e o deslumbre.
Se eu não trocasse alojamento por trabalho não passava Natal a fazer bunũelos e natilla, 12 à mesa entre voluntários e familia de Aleja e Cris. Um cheiro a tradição, ainda que diferente, que diminuía a distância a casa.
Se eu não trocasse alojamento por trabalho não aprendia a construir um Temascal, e não participava gratuitamente da cerimónia com pessoas preocupadas não com lucro, mas em que se cumpra a tradição. Não aprendia a fazer Ambil onde, emocionados, deixámos todas as intenções para o novo ano, e não o recebia dias depois, das mãos de Bahmar, o avô da ecovila, com os olhos embaciados e um abraço forte. Não me sentava com ele nos pneus que enchíamos de terra para fazer socalcos, a conversar sobre a Colombia, os povos originários, o conflito.
Não aprendia a cortar pasto com um machete, a ordenhar cabras, a manter um viveiro de árvores, a fazer adubo orgânico, a construir com terra e aproveitando plástico, o funcionamento de um hostel, de um café, de um restaurante.

Não aprendia que os morangueiros enviam “corredores” para se multiplicar, que os ramos dos pessegueiros devem ser abertos para dar mais fruto, como plantar nespereiras e ervilhas e como construir camas de solo para plantar.
Não aprendia a fazer chocolate ao pôr do sol, e não lambia os dedos desse chocolate, há luz da vela, entre sorrisos e interjeições de satisfação.
Se eu não trocasse alojamento por trabalho, não dançava salsa na minha primeira noite em Cali, 2 horas depois de chegar. E não voltava 3 meses depois para celebrar os meus anos entre amigos, em vez de sozinha ou no meio de estranhos.
Não adormecia com o mar à porta durante quase 3 semanas, em Mompiche.

Não era cuidada como parte da familia durante o terremoto, e não me via a cozinhar pão e bolos, na praia, no meio de réplicas e faltas de energia.
Se eu não trocasse alojamento por trabalho, não fazia amigos mexicanos, que voltava a reencontrar nas mesmas trocas, noutro país. E amigos Argentinos que seguramente também. E Australianos, e Colombianos, e Equatorianos e Alemães e… Não me rodeava de gente do mundo que, por partilhar muito mais que apenas umas horas ou um par de dias, se tornam amigos de verdade.
Não visitava bosques e árvores milenares com as pessoas preocupadas em mantê-los, e recuperar o que já se perdeu.

Não percebia a dificuldade de viver em comunidade, de decidir por consenso, de trazer tudo o que é preciso montanha acima, às costas e em cavalos.
Não tinha de lutar contra os meus receios ao dormir sozinha practicamente ao ar livre, no meio da montanha, com o vizinho mais próximo a 20 minutos de caminho. Não ultrapassava esses receios e passava a reconhecer os sons da natureza, e a distingui-los dos dos homens.
Não aprendia que posso estar muito sozinha rodeada de gente, e muito confortável na minha própria companhia. Que a minha capacidade de adaptação e aprendizagem é muito maior do que suspeitava.
Se eu não trocasse alojamento por trabalho não me enchia de histórias que não sei como contar, mas que me preenchem, que me ensinam, que me tornam mais rica.

Comecei por pensar esta viagem como um recorrido por comunidades e ecovilas, trocando o alojamento e o conhecimento, por trabalho. Tinha muita curiosidade em perceber como se organizavam estas pessoas, em aprender mais sobre permacultura, e em partilhar essas histórias. Depois das primeiras estadias percebi que necessitava de intercalar estas estadias com tempo em cidades ou outro tipo de lugares para uma maior convivência com outras pessoas. As quintas e comunidades ficam muitas vezes isoladas e, nas que me responderam positivamente a que as visitasse, são constituidas por pouca gente. Ser a pessoas que vem de fora, e estar 24 horas por dia com o mesmo grupo de pessoas tem que se lhe diga.
Dentro do mesmo espirito, apesar de com trabalho diferente, comecei a trocar alojamento por trabalho em hosteis. Sempre mantendo a ideia de aprender mais sobre os sitios e pesssoas e apoiar o comércio local, escolhi negócios explorados por Colombianos ee Equatorianos, e não grandes cadeias. O caminho vai-se fazendo passo a passo e às vezes é preciso mudar de direcção. Esta viagem acabou por ser diferente do que tinha imaginado…mas não por isso menos especial.
Excelente, Filipa. Já tinhas escrito um texto intitulado Viagens colaborativas: trabalhar em troca de alojamento no Alma de Viajante, mas é muito bom ler estas experiências na primeira pessoa. Agora regressa de alma cheia, que a malta quer ouvir tudo isso de viva voz. Beijo grande e até já.
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É verdade Filipe. Escrevi-o porque acredito mesmo que esta é das melhores maneiras de viajar, e comprovei-o uma vez mais nesta viagem. De alma cheia é pouco 🙂
Beijinhos
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Olá Filipa!
Tenho acompanhado o teu blogue e queria felicitar pela escrita simples e inspirativa. Iniciei a primeira viagem pela América Central e sigo uma exploração também simples utilizando algumas vezes este estilo de vida também. Boa sorte no teu caminho e até qualquer dia por Portugal ou pelo mundo…
Viaja também comigo em: http://www.lookingaround.me
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Obrigada Patricia.
Talvez nos cruzemos por aí 😉
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