A Colômbia foi a primeira viagem que organizei e comecei a liderar para a Nomad. Para além disso, era para onde ia, independentemente disso, no final de 2015. Na busca de aprender mais sobre comunidades preocupadas com a sustentabilidade e com a vontade de voltar à América do Sul e visitar um país onde não tinha chegado em 2010, quando por lá andei um ano. Nessa altura, toda a gente que por lá tinha passado, com quem me cruzava no caminho, dizia: “Tens de ir conhecer a Colômbia”. Então, escolhi-a como destino de trabalho e como primeira etapa desses 8 meses de regresso, onde me foquei apenas ali e no Equador.
Porque ia organizar uma viagem, porque ia viajar e porque os livros fazem sempre parte do meu arsenal de referências para tentar perceber a cultura dos países, fui à procura de nomes e títulos, para além dos guias e de Gabriel Garcia Marquez. E chegada a Bogotá, perdi-me pelas inúmeras livrarias. Sabe quem já viajou comigo que passamos por pelo menos uma em cada uma das grandes cidades onde vamos. A do Centro Cultural Gabriel Garcia Marquez, em Bogotá. A do bar El Acontista em Medellin. O café-livraria Àbaco, em Cartagena, que é o meu porto seguro para escapar ao calor, com uma limonada de coco. Já perdi a conta às horas que ali passei, sozinha e com viajantes. É rara a vez que não saio com mais um livro na mochila. Só acontece mesmo se já trago dois ou três das outras.
Aqui ficam então os meus livros da/na Colômbia.
Short Walks from Bogotá, Tom Feiling
Parece um guia, mas não é. Pode ser considerado um livro de viagens, mas é também muito mais que isso. Tom Feiling viveu um ano na Colombia, em 2001, produzindo um documentário sobre o hip-hop no país; trabalhou para a NGO Justice for Colombia até 2005 e escreveu o livro The Candy Machine: How Cocaine Took Over the World, em 2009. Durante cinco anos viajou entre Londres e Bogotá inúmeras vezes. Depois, deixou de o fazer e desligou-se do país.
Em 2010, ao ver um artigo na Newsweek que falava da Colômbia como a nova “Estrela do Sul”, mercado emergente e futura estrela turística, decidiu que estava na altura de voltar, comprovar como estava realmente o país e escrever um livro que explorasse a história da Colômbia, contada pelos seus habitantes, além da conhecida percepção sobre a falta de segurança e o narcotráfico. Este é esse livro.
Apesar do título, Feiling leva-nos bem mais longe que pequenas caminhadas desde Bogotá. Transporta-nos de norte a sul do país, das grandes cidades a povoados isolados nas montanhas e na selva. E cumpre com o que promete. Através das conversas e interacções com vários colombianos, de origens e estratos sociais variados, conta a história moderna da Colômbia, integrando o seu vasto conhecimento sobre os meandros políticos e judiciais que explicam parte dessa história.
Fá-lo de maneira que o livro nunca se torne chato. Pelo contrário, é sempre entusiasmante, flui facilmente e agarra-nos, quer pelos episódios que vive, quer pela maneira como os conta. É um conjunto de histórias que se interligam. Que podiam ser independentes, ao jeito de reportagens de jornalismo literário, mas que nos levam de viagem pelo país, com ele e os seus “personagens”.
Li-o duas vezes. Antes de ir e enquanto por lá andei da primeira vez, ao fim de uns meses. O conhecimento que fui adquirindo entretanto permitiu-me perceber ainda melhor o que me tinha passado um pouco ao lado na primeira leitura e suspeito que voltarei a ele outra vez.
El Olvido Que Seremos, Hector Abad Faciolince
Nomeio este livro porque é o mais conhecido deste autor que adoro e o que será talvez mais representativo da história da Colômbia, na sua biografia. Mas gosto de todos os que já li. É a história, real, da vida do seu pai, médico e defensor dos direitos humanos e da igualdade social, numa altura em que ser abertamente activista na Colômbia era uma sentença de morte.

O livro, de uma forma belíssima como o é quase sempre a escrita de Hector Abad, conta o amor de uma família, elogia o prazer de viver, explana sobre as convicções, os sonhos e os valores e, ao atravessar a vida de um homem, atravessa também a de um país, até ao assassinato desse homem. Conta também a história do filho e a mágoa que essa perda gerou. É comovente, trágico, sem nunca cair no melodrama.
Apesar de lhe reconhecer hoje a importância e saber que é dos mais conhecidos na Colômbia, o meu primeiro contacto com este autor foi fruto do acaso. Um livro que levei de um hostel, quando já não tinha mais que ler. Fragmentos de Amor Furtivo é um Mil e Uma Noites à colombiano dos anos 90. De uma torre de apartamentos em El Poblado, Medellin, um casal de classe média, protegido da violência da cidade nesse oásis, conta histórias dos antigos amantes. É um livro mais leve, mas que consegue introduzir muito da mentalidade dos colombianos e da história do país. Desde essa altura, que trago um livro dele a cada viagem que faço à Colômbia e ainda nenhum me desiludiu.
Não consigo escolher e recomendar só um livro deste autor, que é um dos meus preferidos de sempre, não só colombiano. Descobri a maravilha que é o Érase una vez en Colombia também por acaso numa livraria em Bogotá.
Esse livro, que são dois, foi a introdução perfeita para o potencial de Silva Romero. El Espanta Pajaros conta as histórias dos personagens de um massacre, enquanto este decorre. Escrito quase como se fosse comédia, com uma linguagem poética que nos desarma, perante o horror, fala da morte sempre presente. Comédia Romântica, contada quase com a gravidade de uma tragédia, fala da sobrevivência do amor, acompanhando a conversa de um casal, na evolução da sua relação. Os dois juntos, tragédia e comédia, amor e morte, estabelecem a ponte que permite a sobrevivência na Colômbia onde, segundo o autor “só é possível a reivindicação e o reconhecimento nas pequenas histórias privadas”. Lembro-me de reter a respiração várias vezes, ao lê-lo, de sorrir outras tantas e de me espantar com a beleza de frases que não deviam ser belas e, no entanto, aí estavam.
Já avisada sobre o efeito da sua escrita em mim, comprei o Historia Oficial del Amor na Ábaco, no último dia de uma viagem. De volta a Lisboa, li as 538 páginas de um fôlego, numa semana.
Esta é a história da família Silva Romero, contada de trás para a frente de 2015 a 1934. Às vezes na primeira pessoa, o próprio Ricardo, às vezes na terceira, de algum outro familiar, às vezes através de cartas. É a história do seu pai, físico que foi reitor de uma universidade e da mãe, advogada, que foi ministra da justiça. E também de um tio assassinado por fanáticos da luta comunista e um avô, destacado líder liberal, quase candidato a presidente, que vai da glória à decadência quase arrastando consigo a família. É a história de como pais e filhos sobrevivem, através do amor, à História da Colômbia, que aparece quase como mais uma personagem, intervindo na vida destes. E é uma exploração emocionada da pergunta: como levar uma boa vida num país tão violento, tão mesquinho e tão cruel, como foi a Colômbia das últimas décadas.
Não vou continuar a enumerar livros dele, porque não faz sentido aqui. Mas desafio-vos a lê-los todos. Não se vão arrepender.
Este foi o primeiro livro de um autor colombiano que comprei na Colômbia. Já o tinha andado a namorar em Bogotá, da primeira vez que lá estive, mas ia viajar por 8 meses e não queria começar logo a carregar a mochila. 6 meses depois, em Pasto, de volta à Colômbia depois de 3 meses no Equador, entrei numa livraria com o Daniel, bogotano que estava a fazer couchsurfing na mesma casa que eu e olhei para ele de novo. Ainda hesitante, porque era mais caro que o meu orçamento deveria permitir, comentei com o Daniel que já o tinha tido na mão várias vezes e ele convenceu-me que estava destinada a levá-lo, e levei.

A história começa quando Aguilar regressa de uma curta viagem de negócios e encontra a mulher, Agustina, num estado de agitação mental que a torna praticamente irreconhecível. Ele não consegue compreender o que se poderá ter passado na sua ausência, pois nada fizera prever aquilo. Contada a várias vozes, a história desenrola-se a partir deste momento, compondo uma trama familiar que se estende por várias gerações e que é também o reflexo do estado de uma nação.
Foi o meu primeiro contacto com este tema comum dos escritores colombianos de contarem com naturalidade os horrores da sua história tão recente. A história não é verídica, mas muitos dos acontecimentos que refere são. É quase como um romance policial histórico-moderno e um ensaio sobre o quão pouco sabemos sobre quem nos rodeia.
O Amor nos Tempos de Cólera, Gabriel Garcia Marquez
Não podia falar de livros colombianos e não falar de Gabo. Não sou doida pela sua escrita, mas gosto e é incontornável no país. Já referi o Cem Anos de Solidão nos livros da Argentina, e esse será talvez o meu preferido. Mas também gostei deste Amor em Tempos de Cólera, que me foi passado por uma amiga voluntária, na primeira quinta onde fiquei em 2015. Lembro-me de o ler deitada na rede, nas horas de calor em que não trabalhávamos, e deitada no beliche, à noite. E lembro-me sempre deste livro quando vou a Rioacha e percorro o molhe ao fim da tarde. Agora já o retiraram, mas havia uma placa com uma citação do livro, de quando um barco se aproximava de Rioacha e se via a costa e os barracões.
É, como o nome indica, uma história de amor. Forte e trágica, ao jeito das telenovelas, mas com classe. Acompanha um homem no seu desatino ao longo de meio século e acompanha parte da história da Colômbia, no século XIX. Foi muito engraçado reconhecer alguns dos sítios por onde andei, ainda que tenham mudado muito. Não me impressionou tanto como os autores contemporâneos que referi antes, mas é um bom livro, que entretém.
P’a Que Se Acabe La Vaina, William Ospina
Este é um livro ensaio que parte das interrogações do porquê do conflito armado na Colômbia, dos níveis escandalosos de corrupção e da pouca importância que o resto do mundo lhes pareceu dar, apesar da dimensão, localização e riqueza de recursos do país, face a outros da América Latina. Discorrendo sobre a história do país defende que uma parte importante da justificação para a guerra civil resulta da falta de identidade dos colombianos, de um referente comum. Opina sobre a influência colonial, das guerras da independência e oligarquias resultantes que até hoje alternam poderes nos governos e sobre a importância da eterna questão da ocupação e exploração das terras pelos grandes senhores, em detrimento das populações indígenas e do campo nessa falta de identidade.

É um livro com imensa informação e com opiniões fortes, mas que se lê bem e ajudou-me a pôr em perspectiva alguns episódios da história e algumas atitudes das pessoas. E gosto que, apesar do tom mais negro com que passa metade do livro, acabe numa nota de esperança, de que algo começa a mudar:
“Algo esta cambiando en Colombia. Despues de siglos de repeticiones, donde una cultura, un pueblo y un territorio fueran persistentemente borrados y ninguneados por poderes arrogantes, una realidad enorme está emergindo, un pueblo desconocido está descubriendo su propria existencia, un territorio esta brotando a la luz. Tarde o temprano, lo que era guerra aprenderá a ser diálogo, lo que era violência aprenderá a ser exigencia y reclamo, lo que era silencio podrá convertirse en relato“