Os livros nas minhas viagens : Argentina

Na Argentina, durante a minha primeira semana, depois de perceber o meu entusiasmo pela palavra escrita, a minha anfitriã, Gringa, foi à sua estante e pôs-me uma pilha de livros na secretária. Ali, num misto de autores latino-americanos, tinha ensaios, poesia, memórias e ficção. A pilha não decresceu ao longo dos meses porque enquanto acabava uns, acrescentava outros que me recomendavam e eu comprava ou que ela se lembrava e ia buscar, começando a variar a nacionalidade dos autores. A esta lista, fui buscar inspiração, informação ou puro entretenimento. Li frases inteiras que pareciam escritas de propósito para tudo o que estava a viver, mesmo quando o contexto não tinha nada a ver. Num dia particularmente difícil na instituição onde estava a fazer voluntariado, depois de apanhar uma chuvada no caminho para casa e numa semana em que quase não tinha dormido porque estava a dar a volta à minha vida e não sabia o que ia acontecer, li no Ensaio sobre a cegueira “as respostas não chegam sempre quando precisamos delas, muitas vezes esperar é a única resposta possível”.

Tenho estado a rever muitas das minhas notas e textos das minhas viagens e dei-me conta do peso e o prazer que os livros me dão na preparação, integração e inspiração que sinto nos vários lugares. Decidi criar uma série de posts em que partilho convosco alguns dos livros que li enquanto neles estive, ou que, lidos depois, me fazem recordar esses lugares. Serão de autores desse país ou sobre esse país, mas podem ser também livros que li enquanto por lá andava e que, de alguma maneira, participaram na minha experiência do local. Começo precisamente com os “meus” livros na Argentina, que por acaso falam pouco do país, mas sempre me transportam para lá. Espero que gostem e que vos dê ideias para viajar um pouco nas palavras também.

Confesso que vivi: Memórias; Pablo Neruda (Chile)

Na verdade, este é um livro que corre todo o mundo. Entre muitos outros detalhes, descobri a vida diplomática deste poeta, escrita na primeira pessoa. A sua escrita em prosa tem a mesma sensibilidade que a sua poesia. É um livro bonito, mesmo quando descreve o horror da fuga e os assassinatos dos amigos na guerra civil espanhola e durante a ditadura chilena. Sente-se o seu espírito inquieto e eu, a lê-lo, senti-me quase justificada na minha vontade de mandar tudo ao ar, para ficar ali Mesmo que fosse ficção, que não o é e o faz ainda mais especial, é um livro belíssimo de uma vida preenchida e que me fazia olhar para a frente com esperança e determinação, sempre que hesitava em mudar a minha.

A Resistencia, Ernesto Sabato (Argentina)

Físico, novelista, ensaista e pintor. Sabato era um pensador. Já não me recordo como cheguei a este pequeno livro, que é um ensaio sobre o homem e a sociedade, escrito como 6 cartas dirigidas à humanidade. Lembro-me da Gringa me falar muito da novela El Tunel (que li também uns anos depois), mas não me recordo se este fazia parte dos que ela me pôs na secretária ou se me foi recomendado. Sei que o comprei depois de ter lido a primeira vez, para reler e ter comigo. Sentia que lia os meus pensamentos confusos, arrumados naquelas palavras. Deixo uma citação à que volto tantas vezes “O ser humano sabe fazer dos obstáculos novos caminhos, porque, à vida, basta-lhe uma greta para renascer. Nesta tarefa, o primordial é negar-se (…) Não permitir que se desperdice a graça dos pequenos momentos de liberdade que podemos gozar: uma mesa partilhada com gente que queremos, uma caminhada entre as árvores, a gratidão de um abraço. O mundo não pode nada contra um homem que canta na miséria.”

As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano (Uruguai)

É um livro essencial para perceber os paradoxos deste (quase) continente. Percorre 500 anos de história até aos anos 70, quando foi escrito, fundindo crónica e relato, dados económicos e sociais. Traça uma história de pilhagem, feita pela Europa e pelos EUA e estabelece relações causais entre essa pilhagem e o estado económico e social dos países nesse presente (que continua tão actual).

Poesia de Mario Benedetti (Uruguai)

Não li nenhum livro em particular deste autor uruguaio, mas os seus poemas foram-me aparecendo ( e depois fui-os buscando) durante toda a viagem, e ao longo dos anos.

“No te rindas, por favor no cedas, aunque el frio queme,
 aunque el miedo muerda,
 aunque el sol se esconda, y se calle el viento,
 aún hay fuego en tu alma,
 aún hay vida en tus suenõs.”

Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Marquez (Colômbia)

Apesar de, pelo autor e pela história, este ser um livro da Colômbia, comprei-o numa livraria em Córdoba e fez milhares de quilómetros comigo por lá. Para além disso, numa escapadinha de fim de semana a Frey Bento, no Uruguai, dei com um mural em que tinha sido pintada toda a (enorme) árvore genealógica dos José Arcadio e Aurelianos Buendia. Conhecer a Colômbia uns anos depois permitiu-me apreciar ainda melhor esta obra, mas foi na Argentina que descobri o realismo mágico.

Ficções, Jorge Luís Borges

Vou dizer uma heresia, mas desta antologia, com alguns dos contos considerados obras-primas da literatura, lembro-me principalmente da capa dura negra com letras pequenas douradas. Sei que o comecei algumas vezes, li alguns contos soltos, mas acho que nunca me consegui concentrar o suficiente para desfrutar da escrita, apesar de reconhecer a genialidade das ideias. Está na lista para voltar a ele.


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