Querida Lisboa
Vou ter saudades tuas. Já sei que passo a vida a dizer isto e continuo a deixar-te uma e outra vez. Mas é que o mundo é tão grande e lindo, e eu sei que tu vais estar sempre aí para eu voltar. Eu também não me percebo bem, mas tu és capaz de entender isto melhor que eu. Já o viste acontecer ao longo dos séculos. Deixámos-te em barcos para ir descobrir rotas à volta de África e cruzar o Atlântico há 600 anos, deixámos-te procurando vidas melhores nas margens que essas rotas abriram, deixámos-te escapando da ditadura e agora deixamos-te à procura de paisagens diferentes, pessoas diferentes, trabalhos diferentes. Somos amantes ausentes, nós lisboetas.
E no entanto, se alguém me perguntar qual é o meu lugar preferido no mundo, és tu. És sempre tu.
Tu abraças-me com as tuas colinas e ruas estreitas abrindo depois esse abraço no topo das colinas, mostrando-me o Tejo e a ponte 25 de Abril e todos esses telhados que me deram sombra. Tu mostras-me detalhes e o todo ao mesmo tempo e isso faz-me sentir segura. Onde quer que ande, sei sempre onde está o Tejo. O Tejo abre-se ao mar, e o mar dá-me sempre esperança. Sou uma optimista por tua causa, Lisboa.
Tu ensinaste-me que o esforço é quase sempre recompensado. Trepando pelas ruas inclinadas da Graça, Mouraria, Alfama, Bairro Alto e Bica eu sei que vou chegar a um miradouro, uma praça linda que que se abre depois de uma rua estreita, um beco onde os vizinhos discutem as vidas uns dos outros pelas janelas e estendais de roupa lavada perfumam o ar e dão cor às fachadas.
Tu tornaste-me curiosa. Em ti, posso sempre descobrir novos pormenores mesmo em sítios conhecidos: um quadrado de relva detrás de um portão; uma casa antiga que reabre; luz e sombra que alternam a diferentes horas e em diferentes estações; um novo café; um novo mural; escadinhas calcetadas que me levam de um bairro a outro.
Tu ensinaste-me a envelhecer. És velha e tens orgulho nisso, Lisboa. Mostras as tuas rugas e cicatrizes sem medo e mistura-las com juventude e beleza. Às vezes os teus edifícios antigos são só entulho e às vezes são telas para a melhor arte urbana do mundo; às vezes os buracos no chão são apenas armadilhas e às vezes são charcos de pétalas lilás de jacarandá; às vezes cheiras a mijo e às vezes cheiras a flores e ao mar.
Vou ter saudades das calçadas escorregadias e com pedras desencontradas que me guiam pelo Príncipe Real até à Praça das Flores onde tanto me posso sentar com os velhotes num banco de jardim, como beber uma cerveja artesanal na Cerveteca, ou café da Etiópia no Copenhagen Coffee Lab. Vou ter saudades da maneira como as raízes das árvores empurram o chão das ruas mais antigas, tornando-o ondulado. Vou ter saudades das casas tortas de Alfama e da Mouraria. Vou ter saudades de passar pelas prostitutas da rua do Benformoso para chegar ao Largo do Intendente e beber uma imperial no Largo ou na Casa Independente. Vou ter saudades de dançar no Braço de Prata e nos Amigos do Minho, e de saber a história que está por trás desses edifícios. Vou ter saudades de me sentar nas escadinhas do Beco do Rosendo a ouvir os concertos na Renovar a Mouraria.
Tu és sábia, Lisboa. Mostras a tua história nos teus mercados, nos teus edifícios, no teu Fado, na vida dos teus anciões que recordam histórias do teu crescimento, e mistura-la com a energia e a beleza dos teus jovens que se reúnem para trazer musica às tuas ruas, que reinventam a tua comida em restaurantes e bares modernos mas acolhedores, que lutam para melhorar os teus bairros negligenciados.
Tu és uma mulher cosmopolita, mas és humilde como uma rapariga do campo. Tu distribuis cultura, mas não és arrogante. Podes ser um pouco rude, mas suavizas-te para quem toma o tempo de te conhecer. És orgulhosa, e nós, lisboetas, aprendemos isso contigo. Podemos não ser as pessoas mais abertas do mundo, mas acolhemos aqueles que fazem por merecer a nossa atenção. Podemos não ser os mais cálidos nas apresentações, mas uma vez feita amizade ganharam-nos para a vida. Estamos abertos a novidades, mas temos orgulho nas nossas tradições. E temos orgulho em ti.
Sim Lisboa, adoro-te e vou ter saudades da tua luz quente e incomparável que me segue para toda a parte. Esteja onde estiver, far-me-á sempre falta esse charme duradouro e inexplicável que sobreviveu a todos os teus renascimentos e te continua a iluminar a ti e todos os que temos a sorte de caminhar pelas tuas ruas e te chamar nossa.
Muito bom, faz-nos sentir orgulhosos de sermos lisboetas. Adoro os contos alfacinhas
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