Há qualquer coisa de desconcertante no Dubai. Não vinha à espera de nada e surpreendo-me com o que estou a gostar. É uma pena que tantos turistas fiquem presos na futilidade e não saiam dos parques temáticos, dos hotéis e praias da treta…ou então é só por ser o meu primeiro contacto com o Médio Oriente.
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Quando estive no Bur Dubai tive um momento que me marcou imenso. Estava já em Sharghana, perto do Centro para o Entendimento Cultural e começa o chamamento para oração. Uma mesquita pequenina, do tamanho de uma casa, não mais que duas divisões mesmo ali ao meu lado. Numa escada estreita, na parte da frente, acumulavam-se sapatos e os homens iam entrando. Nos intervalos do chamamento ouvia-se água a correr. Percebi um pátio de entrada onde, possivelmente se fazem as abluções. Movimentei-me para o lado direito, arrepiada, quase comovida com a intensidade daquela voz, daqueles cânticos.
Vi uma janela aberta acima da minha cabeça. Vi homens em pé, com os braços cruzados, a cabeça ligeiramente inclinada para a direita. Repetiam qualquer coisa. Queria ficar alí, mas afastei-me com receio de poder estar a faltar ao respeito. Sentei-me nas traseiras. Os cânticos/orações continuavam. Ouvia-se um coro de vozes a repetir determinadas frases e depois um resfolhar de tecidos. Ouviam-se outros chamamentos/orações em eco, vindos de mesquitas do outro lado do Creek.
Saí, e mais sapatos se tinham acumulado nas escadas da entrada.
Não sou uma pessoa religiosa, e normalmente nem gosto destas manifestações, mas sente-se algo muito poderoso naquelas frases que nem entendo, naquelas vozes, na intensidade com que são ditas que me vibra cá dentro.
E depois o contraste desta intensidade espiritual com a ostentação e a dimensão física dos edifícios do Novo Dubai.
Mesmo aqui, em KiteBeach, de costas para o mar vejo, da esquerda para a direita: um minarete e torres de vento, palmeiras, uma mesquita cor de terra com uma cupula e um minarete, vivendas de dois andares, algumas ainda com bandeiras dos EAU por causa do dia nacional, e, na ponta oposta da baía, a vela que é o Burj al-Arab. Na segunda linha, como se de uma tela se tratasse, meio desbotada por causa da neblina, picos de arranha-céus, uns mais juntos, outros mais isolados, com a forma do Big Ben, triangulares, quadrados, espelhados, não espelhados, todos alinhados ao londo da Sheikh Zhaid Road e, no meio deles, a agulha que é o Burj Khalifa.
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A escala aqui é diferente, não consigo ter percepção do que é o tamanho destes edifícios, porque os do lado são iguais de grandes. Estalam-me os ouvidos com a altitude cada vez que ando de elevador e quando venho à janela dá-me a sensação que estou a olhar para qualquer coisa que não é real, que não está alí…o que faz algum sentido se pensarmos que há 4 anos nada disto existia, apenas deserto.
No metro tem-se alguma percepção disto. Como viajamos em altura a maior parte do trajecto (“underground” mesmo só na parte antiga) a espaços vê-se o que foi conquistado. Entre a relva dos campos de golfe, os arranha-céus e as estradas, no que são as fundações dos prédios ainda em construção, areia. E onde não há ainda nada, vedado por painéis publicitários, mais areia.