Das Manifestações

12 de Março de 2011

 Ainda pensei não ir. Nunca fui dada a manifestações, não lhes consigo perceber resultados concretos. Mas esta, pela proximidade que sinto do seu manifesto, pelo que o que a situação há qual este se refere diz de Portugal como sociedade e talvez também porque, depois da minha volta sentia que devia ter um papel mais activo nesta mesma sociedade, andava a martelar na minha cabeça. E no dia conjugaram-se as situações e as vontades e lá acabei a descer a Avenida da Liberdade.

Continuo sem perceber qual o verdadeiro resultado prático que daí resultou, mas sinto-me orgulhosa de ter feito parte daquele grupo de milhares de pessoas que mostrou que o problema não é só de uma geração e que estas querem, juntas, fazer parte da solução.

Gostei de ver que nos podemos juntar em torno de uma ideia e deixar de lado qualquer tipo de classificação profissional ou social.

E gostei que o fizéssemos com alegria. Com música, com dança e sim, com alguma palhaçada. Porque não temos de nos levar demasiado a sério e isso não significa que não possamos discutir assuntos sérios. Tenho um amigo que foi fazer de repórter a fingir, com uma televisão de cartão a transmitir o “canal alegria”. Quem o visse por lá se calhar pensava que ele não sabia muito bem o que se andava a fazer. E no entanto tem uma lista articulada de soluções possíveis para alteração de um modelo económico que considera insustentável e esgotado; e, na vida “normal” coordena vários projectos de investigação ao mesmo tempo.

Parece-me sintomático que A revolução tenha começado ao som da música, que tenha sido “dos cravos” e que agora tenhamos esta manifestação imbuída deste espírito. Parece-me que, como povo, esta é a maneira como sabemos e queremos fazer as coisas.

Espero sinceramente que isso seja assim e que este tenha sido apenas o primeiro passo para, de facto, se conseguirem mudanças não só nos estatutos dos trabalhadores e nas oportunidades e qualidade de emprego, mas na forma como nos posicionamos face aos outros.

Para que os gritos de “Luta, luta, camarada luta” e “a luta é alegria” cheguem mais longe que apenas o festival da canção e eu consiga acreditar de vez que vale a pena sair à rua e lutar.

***

15 de Setembro 2012

Soube mais tarde que fomos 500 000. Na altura não tinha noção da corrente humana que deslizava pelas avenidas. Sabia que éramos muitos pela lentidão em que caminhávamos e sentia-me acompanhada por todos à minha volta, mas também muito dentro de mim mesma, a tentar evitar as lágrimas que não consigo explicar de cada vez que ouvia o mote: “ Eu tenho um sonho, ser feliz em Portugal”. Há cartazes com mensagens de todos os géneros, mas há palavras constantes: respeito, dignidade, honestidade, basta.

Mais uma vez, pergunto-me o que poderá sair daqui….qual a força desta gente que caminha e grita e canta face a todo um sistema que caminha na direcção oposta. Não sei o que poderá adiantar, mas sei que tinha de estar aqui. Sei que não posso simplesmente continuar na minha vidinha, a olhar para o meu umbigo sem me preocupar com o rumo que o país, e o mundo estão a tomar.  Não posso deixar-me estar na minha bolha sabendo que estão atacar os valores que fazem deste país o que quero que seja.

Quando o meu vizinho do lado trabalhou a vida inteira e não tem dinheiro para chegar ao fim do mês, o velhote da frente não pode pagar o hospital, fecham-se hospitais públicos para apoiar privados havendo doentes em listas de espera, não há dinheiro para apoiar, defender e ensinar a cultura do país e o que é promovido é o cada um por si e o salve-se quem puder, a sociedade só pode implodir.

Não sei qual é o caminho, mas sei que assim não pode continuar. No meio daquelas pessoas sinto que é por aqui, seja para onde for é um passo noutra direcção. Quando tudo isto passar, sei que estive lá.

***

13 de Outubro de 2012 – Cultura é Resistência

Mais de 10000 na Praça de Espanha. Hoje o mote é específico, e não menos importante. Cantores, actores, várias manifestações culturais pela luta pela sobrevivência do que é também a memória do país. ” A cultura é a memória de um povo” dizia Fernando Pessoa. E não é só isso. Como dizia um actor  “Sem o apoio do governo, a dependência de privados retira a liberdade de expressão, a independência da cultura”. E os bancos continuam a ser “salvos”… É mais uma  mostra que as prioridades estão trocadas, que o sistema não funciona, que tem de mudar.

Delamações, declarações, música e dança com uma só mensagem transmitida de tantas formar diferentes. É bom o sentimento de cantar a uma só voz letras conhecidas por todos. Triste que com 20, 30, 40 anos continuem tão actuais. ” A cantiga é uma luta”

Hoje não vim sozinha, mas não sinto que estejamos todos presentes da mesma maneira. Isto não é (só) um festival. Retiro-me para dentro da música e de mim. Acho que o caminho é mesmo por aqui, pela partilha e demonstração de insatisfação, pela união do povo, que somos todos. Homens comuns, pensadores e artistas.

***

 

Estamos no fim de 2013. Muitas mais se seguiram a estas três, das quais não tenho notas específicas. Ficam as ideias que me assaltam, enquanto tudo à volta parece  ficar cada vez pior:

Somos todos diferentes e, na verdade, estamos todos ali por razões pessoais diferentes. Alguns porque ficaram sem subsídios, outros porque são precários, outros porque têm pequenas empresas que não aguentam mais o aumento de impostos. Umas vezes por causa dos recibos verdes, outras por causa dos subsidios, agora é a TSU, depois o IRS. Mas no fundo a razão por trás de todos estes “pequenos” problemas é o esgotamento de um sistema que nos foi impingido. Um sistema que nos isolou dos outros e da natureza. Dos nossos recursos naturais, humanos e pessoais.

Independentemente da razão menor subjacente o que se vê é que começamos a ver-nos uns aos outros, e a acreditar que juntos podemos seguir um outro caminho, o nosso caminho. Ainda o estamos a descobrir, ainda há muito por percorrer. Há que espalhar esta esperança, dar o murro na mesa e mostrar que podemos. E isso sente-se mais quando nos juntamos assim. E depois é fazer o trabalho de casa. Viver realmente como queremos que nos deixem , tratar os outros como queremos ser tratados e ir à luta. A grande e a pequena de todos os dias.

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