O comboio para Kandy

Todos os lugares valem

Decidimos ir em segunda classe. Metade do preço (250 rupias), mas sem lugares marcados. O senhor do posto de turismo avisa-nos que vamos ter de ser rápidos a entrar. Achamos que nos está a tentar impingir bilhetes mais caros, mas ao chegar à estação começamos a duvidar da decisão. Faltam 20 minutos para o comboio chegar e a gare está à pinha. Mantemo-nos firmes.

Um rapaz que aparenta a nossa idade (esta fisionomia dificulta estas avaliações…) dirige-se a nós e aponta para os dedos. Faz sinal de um, depois de dois…não percebemos o que quer. Apontamos para os 4, fazemos sinal de 4 com os dedos, ele abana a cabeça na negativa. Faz um rectângulo com as mãos. Os bilhetes? Ah, não, segunda classe. Mostramos-lhe 1  bilhete, meio desconfiados, sem perceber o que pretende. Olha para o bilhete, aponta para o chão e faz-nos sinal que não. Aqui não. Pede com as mãos que o acompanhemos.

Parece perceber o que lhe dizemos, mas responde-nos com sinais. Achamos que não fala Inglês.

Leva-nos mais para trás. Sempre por gestos sinaliza: Quando chegar, correm. Sinal de mergulhar para o comboio. Ok, quando chegar é atirar-nos lá para dentro e correr para conseguir lugar. Os nossos receios confirmam-se, mas venha lá disso. É o primeiro dia, ainda estamos frescos.

O comboio aproxima-se. Ele bate-me levemente no ombro, aponta para o comboio e faz de novo o gesto de mergulhar. Quando pára atiro-me para a porta. Um homem tenta empurrar-me mas rodo para a direita e a mochila traval-lhe o movimento. Sem saber muito bem como, trepei os degraus da carruagem, entrei e atirei-me para uma cadeira (pensando bem, foi mesmo quase um mergulho). À minha volta há muita gente quase em voo a fazer o mesmo.

Segurei dois lugares, o Cueca tenta sentar-se noutro mas o homem que está no do lado não deixa. Senta-se no apoio de braço central,ocupa o espaço das duas cadeiras e ainda pôs uma mala de criança na da frente. Não sabemos do Nuno e ele não sabia do bilhete que tinha mostrado ao rapaz.

Um homem mais velho chega e grita com o que ocupou as duas cadeiras. Este grita de volta. O primeiro ameaça atirar a mala de criança pela janela fora. Não percebemos o que se passa, mas decidimos desistir do lugar do Cueca naquele banco, que ele continuava a  tentar ocupar. Aquela não é a nossa luta. A mala de criança vem para trás e o homem mais velho senta-se nesse lugar. Passados minutos chegam duas mulheres com duas crianças de colo e uma pela mão. Eram para elas os lugares que o senhor tentava guardar. Ficámos com dois lugares para os quatro; podia ser muito pior.

Entretanto encontrámos o bilhete que faltava. O rapaz que nos ajudou vem ver se estamos bem. Dois polegares para cima, um sorriso. Respondemos da mesma maneira. E pensar que desconfiámos dele.

Mais tarde vejo-o a trocar impressões com outro rapaz em linguagem gestual. Não é que não falasse Inglês. Não falava de todo!

***

Há medida que vamos avançando vai entrando cada vez mais gente. A Leonor dorme a meu lado, está muita gente a viajar em pé e passam vendedores de tudo: livros para crianças, bebidas, uns bolos que parecem fritos e vêm amontados em cestos de verga, cobertos de celofane, uns doces com ar tóxico. Passam também vários cegos a pedir.

Vou alternando entre a paisagem cá de dentro e a que desfila pela janela. Já saímos de Colombo há algum tempo. Os prédios deram lugar a casas baixas e arranjadas primeiro, e a barracas à beira de um rio sujo depois. Entretanto a paisagem tornou-se mais verde e vão-se intercalando aglomerados de casas com zonas de vegetação densa e clareiras. Casas baixas de telhado de zinco, tijolos de cimento à mostra numas ( a maioria), outras pintadas de cores garridas. Umas apinhadas, outras espaçadas entre palmeiras e arbustos cerrados.

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Passam senhoras de sari, com chapéus de chuva a servir de chapéu de sol, um monge budista nas suas vestes laranja, também debaixo de um chapéu de chuva. Numa clareira, crianças lançam papagaios. Alguns homens usam saias e camisas, outros polos e calças de pinças. Muitos têm boné, uns quantos andam de tronco nu.

Agora vêm-se poucas casa. A vegetação densa é interrompida por grandes clareiras; algumas cultivadas. Vê-se fumo de queimadas.

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Uma senhora que vai no corredor, ao lado da Leonor dá-me um toque no ombro. Aponta-me para as costas e sorri. Primeiro não percebo, depois vejo que estou com a alça do sutiã à mostra. Sorrio, agradeço e ponho-a de novo debaixo do top. Ela sorri também e abana a cabeça naquela mistura de sim e não que, percebemos mais tarde, significa OK.

Encosto-me e volto a olhar para paisagem.

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