A ler o guia de São Tomé apercebo-me que temos andado a visitar escolas em comunidades localizadas em antigas Roças, que aparecem como pontos a visitar. Talvez esteja já perto demais de toda esta realidade, mas não consigo encontrar-lhes mais interesse que o de ter pena daquelas pessoas. Casas em ruínas e barracas encavalitadas umas nas outras. Percebe-se, às vezes mal, que tudo aquilo já deve ter sido bonito. Agora é só miserável.
Na Praia das Conchas o edificio da escola parece bem conservado por fora. Lá dentro tem o estuque a cair. Da janela, sem vidros, vê-se o descampado do que foi o antigo terreiro. O pó revolteia em torvelinhos e infiltra-se em todo lado. No descampado circulam e pastam porcos e cabras. Um grupo de homens conversa; há roupa a secar no chão.
Nós usamos o parapeito da janela para pousar o material dos rastreios, os habitantes como balcão para espreitar o que fazemos. Dentro ou fora, o pó é o mesmo.
Ao lado da escola, uma casa com uma pocilga. Dividem a mesma rede, que separa as áreas, mas não o cheiro. Chega-nos em vagas que nem as máscaras conseguem disfarçar.
Os miudos andam descalços, no chão de terra batida. Chegam até nós cobertos de pó, todos com batas azuis iguais excepto no numero de buracos e nódoas. Muitos andam kilómetros pelo mato para aqui chegar, outros moram mesmo ao lado.
Em D. Augusta e Yo Grande os edificios de cimento antigo parecem ruínas e no entanto, são casa de gente. Gente que se senta nos degraus, a ver a vida passar turvada pelo vinho de palma. Meninas de 15 anos com os filhos atados às costas, homens desdentados com os olhos raiados de vermelho, crianças descalças, rotas, cobertas de pó e com pústulas na cabeça e feridas no corpo.
Crianças que ficam paradas e caladas sem nos responder, porque não percebem Português (que é a lingua oficial de São Tomé). Crianças de 13 anos que estão na 4ª classe e mal sabem escrever. Crianças que já nascem alcoólicas, ou rapidamente se tornam. Que nunca saem deste guetos.
Guetos que têm escolas viradas para o mar, paredes meias com a praia que nós invejamos e eles nem ligam.
A escola de Yo Grande está pintada de azul. Azul que reflecte o do mar e nos faz sorrir. Até que chegam os miudos e sentimos que não estamos a fazer nada aqui….que a mensagem não passa, porque eles não percebem, e o professor não ajuda.
Bolhas de Inferno espalhadas pelo Paraíso.
A estrada para o Sul é de cair os queixos a cada curva. Muitas destas roças estão penduradas na encosta (quando não directamente na praia) voltadas para o mar e esta paisagem que nos apaixona. Mas estas condições…Será que esta gente é feliz? Que vive bem assim, no meio do lixo, dos porcos, em casas a cair? Será que é possível não querer mais? Será mesmo só do álcool, explicação que nos dão para tudo? Haverá algo que me está a escapar?
As crianças vão à escola de manhã, ou à tarde, e depois? Vejo-as a lavar roupa no rio, a caminhar pela estrada desde os 4 anos equilibrando na cabeça alguidares com roupa, loiça, fruta, paus. A cortar cacau e outras frutas, ou simplesmente a fazer os kilometros de volta para casa, que o transporte não cobre.
Poderia pensar que apesar de tudo são felizes, porque andam soltas e livres a brincar. Mas ainda não vi nenhuma a brincar a não ser no intervalo da escola, ou um grupo de rebolava nas ondas de Micondó, enquanto a roupa que tinham estado a lavar no rio secava. E esses estavam cheios de fome.
Tento perceber as diferenças culturais, de mentalidade, de expectativas. Manter a mente aberta e receptiva, mas é tudo tão dificil de compreender…