No inicio era o Maranhão – A Partida

Acordo com um assobiar e som de água a ser depejada e varrida. O sol está a nascer. Sobrevivemos e ainda estamos no mesmo sítio. Um rapaz limpa o chão e abana a anca ao som do assobio. Tudo está bem.

Este é o Gilmer IV. Primeiro barco da aventura Amazónica, que começa no rio Maranhão e na cidade de Yurimaguas. Chegámos era noite cerrada, depois de 16 horas directas de Lima. Um tuc-tuc levou-nos do autocarro a comprar as redes onde dormimos, e daí para “o porto”. Garantiu-nos que este era o barco que saía amanhã para Iquitos. Não sabíamos no que acreditar, mas não tinhamos outro remédio.

Subimos para o barco. Lá descobrimos como montar as redes e instalamo-nos no último andar, vazio. Tardo a adormecer e mal finalmente consigo acordo com gente a circular pelo barco. Primeiro um homem, depois outros. Alguns apenas de toalha à cintura. Penso em tudo: que é um barco assombrado; que são traficantes e que se vão passar de nos ver aqui; que é o barco errado e vai arrancar e levar-nos sem sabermos para onde. Afinal, mas isso só descobrirei amanhã, é apenas a tripulação, que dorme nas cabines, e outros passageiros, que estão no andar de baixo.

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Enquanto o dia nasce e cresce chegam mais pessoas. Mantemos o nosso espaço pessoal intacto (mal sabemos o que nos espera nos próximos barcos). À proa vão sendo empilhadas sacas e caixotes: de comida, de cimento, de pedras, de galinhas…tantas galinhas.Monta-se um cercado e empurram-se para lá vacas magras, mas enormes, com cornos gigantes.

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Não querem passar. Torcem-lhes o rabo enquanto as puxam e empurram para que subam contra a sua vontade.1, 2, 3, 4, 5… todas apertadas umas contra as outras. As sacas continuam a ser passadas de mão em mão, sempre à força de braços descobertos.

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Entram cada vez mais passageiros que vão montando as suas redes, mas quase todos no piso de baixo.  O dia vai passando.

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Tinhamos perguntado a hora da saída. São 17h agora e o barco começa a mover-se. Era para ser às 12h. Dizem-nos para estar gratos por sairmos hoje. Havemos de perceber que o anormal é sair-se há hora certa.

E então aí vamos. O banho que tomei deixou de ser eficaz uns bons cinco minutos depois de ocorrer e o vento da deslocação do barco sabe pela vida. O rio desliza, castanho lama, a contrastar com o verde das margens. Ainda não (ou já não?) selva cerrada, mas verde rasteiro com palmeiras dispersas e casas de madeira sobre estacas.

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Falando em banho. Foi o primeiro e será o ultimo nestas embarcações. Depois do extravasamento do depósito de água apercebemo-nos de montinhos castanhos que circulavam pelo chão, arrastados pela água. Pois, poias. Este é o depósito que abastece as casas de banho, e bombeia directamente do rio. Filtros? Quais filtros?

Hoje tudo é novo e serve de entretenimento. O barco vai parando em aldeias à beira-rio. Entra mais carga que gente. Numa cidade maior avisto uma enorme fila de tuc-tucs. Todos apitam ao mesmo tempo.

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Em cada porto entram e saem vendedores “cigarrillos, cigarrillos, cigarrillos,” “periodicos, hay periodicos,” “pollo asado, hay pollo asado señores, polloooo asadooo.” Vagueio entre a minha rede e a borda do barco, a ver as margens passar.

Às 18.30 começamos a ver toda a gente a dirigir-se ao piso de baixo, de tupperware na mão. Seguimo-los até ao balcão da cozinha e esperamos enquanto nos despejam uma concha de arroz sobrecozido com feijão na panelinha do campismo. Vamos aprender a amar e odiar arroz com feijão. Hoje é só engraçado.

O sol já se escondeu e o céu está ainda cor de rosa. A noite em claro começa a fazer-se sentir. Estendo-me na rede e deixo-me ir com o balanço. Quando começo a cabecear estão a desenrolar os plásticos que fecham estes decks durante a noite. Deixo também cair as pálpebras.

 

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