(Dia 2 do Caminho Santiago – Muxia: Negreira a Vilaserio, 14km)
22 kilómetros ontem. Hoje a etapa é mais curta. Só que está sol e acabo de fazer metade do caminho sozinha. Metade dessa metade no asfalto, e isso foi duro.
Destaquei-me porque precisava do meu ritmo, de estar um pouco comigo. Não esperava era que fosse tanto. Quando caminho assim sou só eu, a minha cabeça e a paisagem. Nessa altura vou para onde a cabeça se manda, ou tento lutar contra isso. Nunca vale a pena.
A paisagem tornou-se monótona. O alcatrão a escaldar e campos de milho, verdes. E então ela (a cabeça) foi para o Sri Lanka. Faz um ano que lá estive, e sei muito mais sobre o que me incomodava, enquanto por lá andava. Lembro-me do quanto me senti estupida depois, por não ter percebido mais cedo que a vida que partilhava estava prestes a terminar. É por aí que é para ir? Pois então vamos. Recordo o que tem de ser e deixo as memórias passar. Afastá-las à força só vai fazer com que perdurem mais tempo. Segue para São Tomé, e para a impotência de decisões que fogem do meu controle…deixá-la ir.
Um pé a seguir ao outro e os dedos mindinhos a queixarem-se do impacto do alcatrão trazem-me de volta à Galiza. Estou há dois kilómetros a pensar que paro na próxima sombra e não aparece nenhuma. O sol não dá tréguas e eu continuo a minha luta entre a vontade das minhas pernas em parar e a da cabeça em continuar. Continuo.
Os pensamentos chegam e fogem, as vezes desaparecem outras atropelam-se, mais rápidos que os passos. Deixo-os à solta. E então a cabeça acampa no Andanças por uns momentos. Sorrio. Não é uma sombra, mas ajuda.
A manhã começou com uma neblina que me deixou os cabelos molhados de orvalho. Levantou-se devagar para dar lugar a um céu azul forte que contrastava com o verde húmido das árvores. Não vimos o nascer do sol, escondidos que estávamos dentro de bosques com árvores cobertas de musgo, verdes das raízes às folhas, cogumelos por todos os lados. Das nossas cabeças desprendia-se uma névoa, a acusar o calor dos corpos. Começámos por apreciar tudo isto juntos. Comentámos a paisagem, o tipo de árvores, mandámos piadas. Foi mais tarde que me separei…e agora esta estrada que não acaba nunca…
Há um kilómetro ainda via a mochila do Luis à minha frente. Ele é o nosso batedor; ninguém acompanha o seu ritmo. Ainda tentei acelerar, para manter pelo menos essa ligação e focar-me noutra coisa, mas entretanto desapareceu. Os outros quatro estarão para trás.
Mais quinhentos metros. Se não aparecer nada sento-me no chão, ao sol e tudo. Estou farta disto, preciso de companhia.
E quando achava que não dava mais um passo, volta o caminho entre as árvores. Sombra. Daqui não saio enquanto os outros não chegarem. Vilaserio deve estar já na próxima curva, mas chegaremos juntos.
One thought on “O asfalto e a cabeça”