Dia 5: Equador
17.20h. Cruzámos neste momento a linha do Equador. Houve uma cerimóna qualquer na piscina. Eu estou no meu canto na parte de trás do barco, mas ouvi o anuncio. Estamos no Hemisfério Sul e claro que tudo está igual ao que era há um minuto atrás. Mas é uma sensação agradável saber que já cruzei esta linha pelo ar, numa ilha e agora no mar. E que provavelmente o farei no país com o mesmo nome nos próximos meses.
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O mar está calmo. O sol a pôr-se dá-lhe aquela tonalidade negra de espelho, mas há um vento que agita ligeiramente a superficie. Dá-lhe textura, como se estivesse arrepiado. Eu tenho pele de galinha, e o mar tem pele de galinha e isto é tudo incrivelmente belo.
Dia 6: Agitação
Falhei o pequeno almoço e estive deitada a dormir na espreguiçadeira o dia quase todo. Não vi os Argentinos, o Matias não desceu para jantar e o Camilo estava branco. A piscina ganhou ondas. Estamos todos meio zombie e andamos aos esses. Ninguém sabe muito bem se é só a agitação do mar ou efeitos secundários da agitação de ontem à noite. Provavelmente dos dois.
Dia 7: Do tempo
Em dois dias chegamos a Salvador e a maior parte das pessoas com quem me comecei a dar desembarca. Agora, que tudo é já natural. Nada a fazer, eu sou assim mesmo. As coisas acontecem-me devagar e gosto que assim seja. Que as amizades, mais ou menos profundas, tomem o seu tempo, aconteçam naturalmente. Que dêm os passos que têm de dar, e não apareçam de conversas ou momentos forçados só porque sim, porque estamos no mesmo barco e não sabemos estar sozinhos, como tenho visto.
Continuei, e continuo, a passar a maior parte do tempo a ler, nas zonas mais tranquilas. Mas agora já há mergulhos conjuntos na piscina e conversas que surgem no caminho para essas zonas, porque nos cruzamos, ou no ginásio. Há mesas onde partilhar o almoço. Há acenos de longe e sorrisos cumplices.
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Ainda não sei porque tinha esta certeza tão grande que tinha de fazer este trajecto de barco, mesmo não sendo veleiro. A pegada de carbono e o desperdicio deste bicho são seguramente maiores que de um avião. Ainda não tive a minha epifania, e provavelmente não terei, mas não me arrependo. Muito pelo contrário. Ter este tempo é preciso. É uma preparação, uma transição para o que aí vem. A minha vida está a mudar. Às vezes esqueço-me disso. Estas diferentes etapas, esta tranquilidade ajuda a suavizar essa mudança e isso é importante.