Querida Medellín
Creio que me ouviste. Que fui precipitada, e que trataste de me enviar as pessoas certas para que o visse. Mas comecemos pelo principio, pelo que te escrevi há dois dias.
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Querida Medellín
Não te percebo. Eu tentei, a sério a que sim, mas não consigo perceber o fascínio que os teus outros visitantes demonstram.
És interessante, sim. Não se fica indiferente aos contrastes físicos e geográficos da tua aparência. Os altos edifícios cor de tijolo com as casas das comunas, também cor de tijolo, mas baixas e a subir pelos morros. Essa cor de tijolo de ambos contra o verde das montanhas que te circundam, e dos cerros que se destacam no meio de ti.
Não se fica indiferente à confusão, fumo e aspecto geral cinzento do teu centro, apesar de tudo mais autêntico que o circo para turistas que é El Poblado com hosteis, restaurantes, bares e discotecas que podiam estar em qualquer outro lugar do mundo.
Não se fica indiferente à maneira como nos ensopas em suor, para logo nos largares uma tempestade em cima, ou ao contraste do ruído das ruas com o silêncio dos cerros.
É interessante o bulicio dos teus mercados. Tens bolhas de cultura riquíssima espalhadas por ti. Tens um espirito divertido. As tuas pessoas são do mais simpático, sem ser servil, que tenho encontrado. Terás muito para dar, mas eu não me identifico contigo.
Vamos tendo os nossos momentos. Pequenas descobertas como os concertos de ontem à noite, a conversa com a senhora do mercado, o reflexo do pô-do-sol nas nuvens por cima da montanha, a vista do cimo do Nutibara, um sorriso que se abre de repente, uma conversa expontânea, mas a sensação é que não te percebo, não me identifico contigo. Desculpa.
Pode ser uma questão de pele. Não adoramos todas as pessoas, como não adoramos todos os lugares e nem sempre temos explicação para isso.
Às vezes mudamos de opinião. Tenho aqui um cantinho guardado à espera disso. Ainda não desisti de ti. Vá…surpreende-me.
…
Então, Medellín, no dia seguinte mandaste-me o Hernan. E o Hernan, paisa com uma cultura imensa, mostrou-me o lado bom da bipolaridade do teu centro, o peso da história do país, e da região, nessa bipolaridade, e o longo caminho que já se percorreu, e que falta percorrer. Mandaste-me a Elvia, costeña mas apaixonada por ti, cheia de conselhos e ideias para que te conheça melhor e que me mostrou o mundo que é a Universidade de Antioquia, o caldeirão de ideias e cultura e arte que ali se mexe. Mandaste-me a sua amiga Angie, que largou a bicicleta para me puxar para dançar ao passarmos por um bar vazio com musica aos berros, quando lhe respondi que sim, gostava de dançar. Enviaste-me para a comuna 1, no metro e no metrocable, onde está o expoente máximo da aposta na cultura e mobilidade para a tua recuperação, a Biblioteca Parque Espanha. Aí, trouxeste-me o Juan Pablo, 9 anos, a debitar profissionalmente a história da Biblioteca, onde passa as tardes.
Mostraste-me as mini bibliotecas que existem nas estações de metro e ofereceste-me as Cartas a um jovem poeta. Mostraste-me a comuna 13, com o seu grafitti, a sua história trágica de violência e o exemplo de recuperação, apesar do muito trabalho que há ainda por fazer.
É, creio que me ouviste Medellín. E suspeito que vais continuar a falar-me ao ouvido, quando voltar. Não seremos namoradas, mas parece-me que te vou entendendo melhor.