Bodhgaya – Banquinhas e Espiritualidade?

By shene81, in flickr
credit: shene81

Fico confusa neste sítio. E ao mesmo tempo ando por Bodhgaya como se em transe, tranquila no meio da confusão. Passam mulheres de sari, ouvem-se preces de altifalantes e o constante arengar dos vendedores. Monges compram tapetes, e dizem piadas a mulheres alemãs enquanto comem pizza ao almoço. Centenas de estrangeiros ocidentais e asiáticos andam por aqui vestidos de branco. Estou na Índia, mas à primeira vista ninguém diria.

Há acampamentos gigantes montados em descampados, voam bandeiras de oração e pashminas. Vêm-se tectos pontiagudos e cabeças de budas a cortar o céu em todas as direcções, e hotéis de cimentos que parecem inacabados.

Aqui e ali, oásis de paz nos jardins dos mosteiros. Dezenas de mosteiros. Um por cada nação Budista do mundo, todos diferentes. Aqui e ali, estudantes com robes vermelhos a ser as crianças que são. Serão monges, ou não serão; agora distraem-se com os telemóveis, jogam à bola, participam nas cerimónias – uns mais atentos que outros.

No meio da cidade, um bairro de lata que também é um aglomerado de restaurantes, ao lado de um mercado. Mais bandeiras de oração, mais colares e pulseiras, mais rodas de oração, mais tapetes, tangkhas, estátuas de Buda.

Sem que o esperemos, espaços verdes abertos que são campos de trigo.

Por todo o lado, mais colares e pulseiras, lenços e conchas e rodas e bandeiras.

Diz-me o Jorge Vassalo em mensagem, depois de lhe transmitir a minha confusão “banquinhas e espiritualidade não é assim tão contraditório”. Talvez ele saiba melhor. Já anda pela Ásia há muito tempo. A mim, ainda me baralha.

Dentro do recinto do Templo de Mahabodi, este meu transe perde a confusão. É todo só espiritualidade. O templo, erigido ao lado do local onde estava a figueira (Árvore de Bodhi) debaixo da qual Siddharta atingiu a iluminação e se tornou Buda é uma pirâmide enorme de pedra bege. Mas as cores daqui são o amarelo, laranja e vermelho. Flores e vestes por todo o lado. Há lugares onde não se vê o chão. Gente sentada em rituais, gente que sobe e desce em prostrações consecutivas, gente que anda e entoa as preces e cânticos que se ouvem nos microfones. Enquanto caminho, um monge passa na direcção oposta com um incenso aceso na mão. Olha directamente para mim, diz “Too late” e continua. Demasiado tarde para quê?

Há tendas montadas por todo o lado. Tendas pequenas de quem dorme aqui, tendas individuais transparentes com monges sentados lá dentro a rezar, tendas comunitárias, tendas gigantes com dezenas de pessoas sentadas de frente para um estrado com 3 monges que lideram cerimónias. Um murmurar constante por cima de vozes que conversam, uma ladainha diferente mas igual que sai de vários microfones.

Passo por pilares gravados com frases. Copio algumas. Retenho esta:

“By oneself is evil done. By oneself is one defiled. By one self is evil left undone. By one self is one made purity and impurity depend on one self. No one can purify another.”

The Buddha

Sento-me ao lado da Árvore de Bodi, onde está uma destas reuniões. As preces têm um ritmo hipnótico. Alguns  monges balançam-se para a frente e para trás, outros para os lados, ao ritmo das palavras. Alguns acompanham o que se diz com os lábios, outros parecem mais distraídos. Deixo-me embalar pelo som. De vez em quando a voz muda para uma entoação mais gutural, que vibra e entra directamente pelo centro do peito. Parecem-me didgiridoos humanos.

Deixo-me sentir essa vibração e não me mexo até que acabam. No fim, levanto-me, sorrio e volto à rua. A confusão é a mesma, a que me rodeia e a minha, face a este sítio. Mas essa vibração, essa tranquilidade continua a ganhar. Talvez essa seja a lição de Bodghaya.

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