Os livros nas minhas viagens: Índia

Este vai ser o texto com o maior número de recomendações desta série. A Índia é um lugar que pede contextualização, pela sua diversidade, complexidade, anacronismos, história complicada e muitas vezes mal contada, estórias aos milhares e pessoas aos biliões. E eu gosto de ir buscar muita dessa contextualização aos livros. 

Comecei a ler sobre a Índia a primeira vez que fui, em 2015, conduzir um Hindustan Ambassador pelo sul. Mas só mergulhei mesmo a sério na literatura, ensaios de autores indianos e relatos de viajantes e jornalistas que por lá passaram, quando comecei a preparar a viagem de exploração da viagem Delhi a Kathmandu, que lidero para a Nomad, em 2017. E depois disso, nunca mais parei.

Apesar dos vários regressos, continuo a necessitar de aprofundar muita coisa. Entre e-books e calhamaços, comprados por todo o lado, vou acrescentando títulos, e a lista de desejos nunca acaba. Dá-me um prazer imenso percorrer as livrarias em Delhi e Calcutá, a procurar livros específicos, ou a deixar-me levar pelo impulso. E há tantos e tão bons, com histórias tão apaixonantes, divertidas, revoltantes, envolventes, informativas, intermináveis como só a Índia, que esta lista crescerá enquanto eu continuar a ler. Para além disso, nestes dois anos de pandemia, foi a ler que pude ir voltando.

Sem qualquer ordem de preferência ou cronológica, aqui ficam os livros que li na e sobre a Índia, e que recomendo. Nos títulos e imagens têm links de afiliado para os livros. A vocês, sai exactamente ao mesmo preço, e eu recebo um pequeno estimulo para vos continuar a recomendar títulos.

Shantaram, Gregory David Roberts

Este é “O” calhamaço que toda a gente recomenda, quando se fala de livros e Índia. Passei anos a ouvir falar sobre este romance, sem nunca ter pegado nele. Só na minha segunda viagem à Índia, quando fui fazer a viagem exploratória para a Nomad é que o li, de um fôlego. A acção decorre maioritariamente em Mumbai e é baseada na vida do autor, Gregory David Roberts, que escapou da prisão na Austrália e para ali fugiu. Apesar de ser um romance, com personagens de ficção, os eventos estão inspirados pela sua vida real.

Livro Shantaram


Isso sente-se, na maneira crua e real, sem ser condescendente, como ele descreve a cidade, os seus habitantes e a Índia no geral. Adorei o livro. A estória, que nos suga, as suas reflexões sobre a natureza humana e principalmente sobre a Índia e as suas contradições. Algumas conversas são demasiado longas, tende a descrever o que cada personagem veste com frequência exagerada e o romance com a Karla e a descrição dos seus olhos verdes como lagos também não precisava de aparecer em cada capítulo. Mas, quando acabei as 600 páginas do livro, a sensação foi que ia ter saudades da companhia daquelas pessoas-personagens.

(A muito aguardada sequela, The Mountain Shadow, surgiu 20 anos depois da edição de Shantaram. Também se lê bem, também agarra, mas não é tão especial e já sai um bocado da Índia.)

An Area of Darkness, V.S.Naipaul

Este foi o primeiro livro de uma trilogia sobre a Índia, deste escritor. É uma reflexão desencantada, mas quase ternurenta no final, sobre o país, tendo como base vários episódios de uma viagem de um ano (nos anos 60), misturados com várias referências históricas.

V.S.Naipaul nasceu em Trinidad, antiga colónia britânica. Os seus avós tinham emigrado da Índia e, em criança, viveu no seio da comunidade indiana da ilha. Apesar deste contacto próximo, não se sente identificado com essas origens nem, no início da sua viagem, consegue identificar a Índia que achava conhecer através da família, com a Índia que experiência no caminho.

V.S. Naipaul

O livro faz várias ligações interessantes entre a influência do sistema de castas e do Império Britânico e a mentalidade indiana actual (dos anos 70). Algumas das reflexões parecem andar em círculos sem chegar a nenhuma conclusão, mas a descrição das suas experiências é bastante vívida e dei por mim a rir sozinha e, por vezes, a acenar em concordância com as suas frustrações e sentimentos. 

Alguns capítulos lêem-se muito rápido, outros são mais densos. Aprendi bastante sobre história, mas atraíram-me mais os pequenos detalhes que ele descreve e com que todos os viajantes na Índia se sentirão identificados.

Siddharta, Herman Hesse

Já tinha lido esta novela em adolescente. Mas, como estava em Bodhgaya na viagem de exploração, decidi lê-la de novo. Lembrava-me de pouco, excepto do nome e que estava relacionada com Buda e a sua “iluminação”. Como estava no suposto lugar onde isso tinha acontecido, debaixo da árvore de Bodhi (uma espécie de figueira da região) pareceu-me apropriado.

Quando terminei estava confusa. No livro não havia nenhuma árvore, a “iluminação” ocorrera junto a um rio e falava-se de um Buda, Gautama, que Siddharta rejeitara como professor. Apesar de saber que se tratava de uma novela, e não um livro de história, na ignorância da minha primeira leitura tinha ficado com a ideia de que era uma versão romantizada da história d´O Buda, o “verdadeiro”. Ao dar com as discrepâncias nesta segunda leitura, fui pesquisar.

Siddharte Herman Hesse

Aparentemente ainda se debate o que teria pretendido Hesse com a novela. Algumas pessoas defendem que o seu Siddharta apenas partilha o primeiro nome com Siddharta Gautama, “O” Buda, e que Hesse o usa para contradizer os princípios do Budismo (e da religião no geral). Outras que a sua personagem representa um alter-ego de Buda.

Depois de esclarecida a minha confusão, a opinião sobre o livro em si, é de que de leitura rápida e prazerosa, mas não memorável. Gostei de algumas das ideias transmitidas, que, concordo, contradizem o que (agora) sei serem alguns dos ensinamentos do budismo, nomeadamente a importância do amor e a necessidade de encontrar a sabedoria não nos ensinamentos dos outros, mas dentro de nós.

City of Djins – A Year in Delhi , William Dalrymple

William Dalrymple é um historiador e escritor escocês, especializado na Índia e Médio Oriente. Tem uma biografia muito extensa, da qual li (ainda) apenas 4 livros: este, Koh-i-Noor, Nine Lives e The Anarchy.

Recomendo todos, mas vou falar apenas deste, que me marcou mais. Li-o aquando da viagem de exploração da viagem da Nomad, em 2017, e trouxe-me uma maior compreensão e também uma maior apreciação pelo caos e decadência de Delhi.

livros Índia

Após várias visitas à Índia nos anos 80, o escritor mudou-se para Delhi, onde vive (alternadamente com o Reino Unido) desde então. Este livro é uma espécie de diário de viagem em torno de Delhi, complementado com o seu enorme conhecimento histórico, aquando do seu regresso e estabelecimento na cidade. Através das suas histórias pessoais e das pessoas que escolhe acompanhar e se tornam nas personagens do livro, conta a extensa história de Delhi de uma forma quase ternurenta e muitas vezes cómica.

Fazendo uma descrição histórica precisa e académica, não é nunca aborrecido e consegue transmitir a complexidade das várias camadas de tempo que compõe a cidade, de forma apaixonada. Lê-se quase como um romance, o que, para mim, é sempre positivo.

Uma ideia da Índia, Alberto Moravia

O escritor italiano Alberto Moravia viajou um mês e meio na Índia, em 1961. Este livro é composto por um conjunto de crónicas que escreveu nessa altura. Todas têm subjacente a ideia que a Índia é tão diferente e difícil de entender devido à maneira como a religião é experienciada lá. Segundo ele, na Índia, a religião engole todos os aspectos da vida e está presente em cada rotina diária. E, ainda que ele seja capaz de reconhecer isto, sente-se incapaz de descrever precisamente o que torna a experiência de viajar na Índia tão diferente de qualquer outra coisa.

“A Índia é a Índia”, diz. “Tens de ir e experienciá-la tu mesmo.” Eu concordo totalmente.

Apesar de o livro ter sido escrito há mais de 50 anos, penso que qualquer pessoa que tenha ido à Índia se consegue identificar com esse sentimento de Moravia. Mesmo que a experiência de cada um seja sempre diferente (Pasolini, que viajou com Moravia nessa altura, voltou com explicações diferentes, por exemplo). 

Comprei o livro porque amei a primeira página, onde o autor tem uma conversa imaginária com alguém que lhe pergunta o que achou da Índia. As outras crónicas não me despertaram tanto entusiasmo, mas ainda acho que é um livro que vale a pena e que tem muito material para reflexão.

White tiger, Aravind Adinga

A primeira vez que li este livro foi por acaso, ainda antes de sequer sonhar ir à Índia. Não sei para onde ia, mas tive uma escala enorme num aeroporto e fui comprar um livro. Trouxe este. Lembro-me pouco dessa primeira leitura e perdi ou dei o livro entretanto. Percebi anos mais tarde, que era um best-seller, muito referenciado na literatura indiana. O autor ganhou com ele o prémio Man Booker, em 2008. Num dos meus regressos à Índia, comprei-o de novo a um vendedor de rua em Calcutá e li-o em 3 dias (ajudou muito uma viagem de comboio diurna de 12 horas).

White Tiger book

O romance está escrito como uma longa carta dirigida ao Primeiro-Ministro chinês, que supostamente vai visitar Bangalore, escrita ao longo de sete noites. O autor da carta apresenta-se como o tigre branco do título, e autodenomina-se um “empreendedor social”. Descrevendo a sua notável ascensão de pobre aldeão a empresário e empreendedor social, o autor da carta, Balram, acaba por fazer uma denúncia mordaz das injustiças e peculiaridades da sociedade indiana. Não vou contar mais, para não estragar a experiência da leitura. 

O livro parece uma mistura de policial e romance, e a escrita de Adinga prende-nos a todos os momentos. Acho que não retive nada do livro da primeira vez, porque sabia muito pouco sobre a Índia e não me despertava interesse. Mas é brilhante a maneira como ele expõe o lado negro das desigualdades sociais, da luta de classes e castas e da hipocrisia da religião, sem nunca ser paternalista. 

Trilogia Tudo é Possível, Jorge Vassalo

O meu amigo Jorge Vassalo é, que eu saiba, o português que melhor conhece a Índia. Ao longo de já quase duas décadas, voltou, viveu e viajou por lá dezenas de vezes. Nestes três livros conta as suas aventuras, que são muitas e sempre divertidas, mesmo quando não o são. Apanágio da sua escrita, que tão bem representa o caos, a ironia, a alegria, a frustração e também a ternura desse país que o (nos) apaixona.

São três volumes, que contam alturas diferentes desses anos de viagens. No primeiro, uma volta de 5000 km pelo sul, numa Vespa que não é uma Vespa. No segundo o Jorge salta no tempo, da última (2019) para a primeira viagem (2003) que fez, alternando crónicas de uma e outra e dando-nos um cheirinho de como a sua percepção e conhecimento também se foram modificando, mas os episódios surreais, esses são uma constante. Foi o meu preferido. O terceiro é uma homenagem à amizade, contando estórias reais em torno de seis personagens-amigos principais, e dezenas de secundários. O que dá o nome ao livro é um canibal que foi vizinho dele, numas cabanas na praia, e mais não digo. 

Encomendem os livros ao Jorge, e dêem por vocês a rir sozinhos ou a suspirar de espanto, como eu. Podem fazê-lo através do instagram ou pelo e-mail fuidarumavolta@yahoo.com

No full stops in India, Mark Tully

Livro com 10 histórias-ensaio que parte da seguinte premissa: A elite ocidentalizada da Índia, separada das tradições locais, “quer escrever um ponto final numa terra onde não há pontos finais”. Mark Tully nasceu em Calcutá, estudou no Reino Unido e trabalhou décadas para a BBC India como correspondente e chefe de gabinete em Delhi, onde vive. Neste livro, pega na sua imensa experiência e sentido crítico para, através de histórias de pessoas, lugares ou acontecimentos específicos fazer uma análise da Índia dos anos 90 (que se mantém actual).

Por exemplo, através da história do seu empregado, ele discute os costumes ancestrais como o casamento arranjado ou os problemas do abandono teórico do sistema de castas sem que se tenham criado realmente condições para a ascensão social. Pela história de um encontro entre um artista plástico britânico e escultores indianos de Mahabalipuram, e os conflitos entre eles, discorre sobre o colonialismo tradicional, e o neocolonialismo cultural. Há um ensaio sobre o Khumb Mela, o maior festival religioso do mundo, em que se discute a organização e comercialização da religião, mas também o seu fervor. Passa também pelos conflitos comunitários em Ahmedabad e pelo êxito retumbante da criação de uma série televisiva a partir do clássico hindu Ramayama, que parou o país.

Tully consegue, através destas histórias e da sua introdução e epílogo (que são ensaios em si mesmos) transmitir muito da história e evolução da Índia, desde o fim do raj até à data, e o impacto que a colonização, descolonização e recolonização cultural (principalmente pelas classes sociais mais altas, que olham para o ocidente como exemplo) têm nas idiossincrasias do país. A sua escrita é jornalistico-literária, lúcida, nada sentimental, mas demonstrando o carinho que sente pelo país dos pontos de interrogação. 

Infinite Variety: A history of desire in India, Madhavi Menon

Rico em histórias e tradições, este livro desconstrói-as e mostra-nos de forma bem clara todas as contradições do subcontinente no que toca ao prazer e à sexualidade que se vêm escondidos e explícitos ao mesmo tempo, em todos os detalhes. Do paan ao yoga, da maquilhagem aos mausoléus, da escultura aos cabelos, o Kamasutra e a censura dos filmes, os jardins, a psicanálise e muitos momentos do dia-a-dia servem de mote aos vários ensaios.

Através deles, a autora explora a ideia da fluidez e diversidade do desejo e da identidade sexual e a censura, mais actual que histórica, a tudo o que esteja relacionado com o tema. É um livro provocador, às vezes cómico, às vezes denso, mas que nos deixa a pensar e traz muita informação interessante. Fico feliz de o ter trazido por impulso, da livraria Oxford de Connaught Place, em Delhi, mas confesso que demorei a acabá-lo.

Midnight’s Children, Salman Rushdie

Um clássico moderno de um dos autores indianos mais aclamado (e odiado, pelo seu outro clássico, Os Versículos Satânicos). Neste livro, acompanhamos a história da Índia logo após a independência, de forma onírica e sobre-natural, através da vida de Saleem Sinai. O personagem principal, nasce precisamente ao bater da meia-noite, no exato momento em que a Índia se tornava independente. Esta simultaneidade de nascimento tem consequências para as quais ele não está preparado: poderes telepáticos ligam-no a outros 1000 «filhos da meia-noite», todos eles dotados de dons extraordinários. Indissociavelmente ligada à sua nação, a história de Saleem é um turbilhão de desastres e triunfos que espelha o percurso da Índia moderna na sua forma mais impossível e gloriosa.

salman rushdie livros

Não é um livro sempre fácil de ler. Esta dimensão sobre-natural e a escrita de Rushdie aqui, que mistura episódios reais com histórias inventadas, sonhos com acções, diálogos que só acontecem na cabeça dos personagens com diálogos “reais” fez-me voltar várias vezes atrás, para perceber o que se passava e situar-me. É um realismo mágico, a la indiana, e como tal ainda mais confuso. Mas, após descodificadas as manhas da linguagem (que, na verdade, até tornam o livro ainda mais interessante), dei por mim a repensar muitos dos episódios da história da Índia e a apreciar realmente a leitura. É um essencial.

Era uma vez em Goa, Paulo Varela Gomes

Li este livro quando voltei daquela primeira viagem, pelo sul. Durante os caóticos dias de condução, tivemos dois dias de descanso em Goa e, por acaso ou destino, fomos parar a Agonda, que se tornou na nossa referência de paz, praia e descanso, na Índia.

A minha primeira reacção ao livro foi pensar como uma descrição de 1963 me parecia tão actual, tão igual ao que tinha vivido em 2015. Com algumas excepções, relacionadas com o desenvolvimento do turismo e, algumas, infraestruturas. Lembro-me, por exemplo, da referência a Agonda, onde só se chegava de barco e tinha pouco mais que dez cabanas. Bem diferente do que vivemos.

O livro conta, na primeira pessoa, a história de Graham, um cidadão britânico que chega a Goa com escassos recursos e por meios pouco ortodoxos. Sistematicamente confundido com um perigoso infiltrado português, Graham terá de sofrer rocambolescos encontros, desencontros e aventuras até vislumbrar os sentidos possíveis da complexa cultura goesa. De caminho, cruza-se com personagens de origens contrastantes, desde o inusitado «hoteleiro» da praia de Anjuna até ao grande escritor e outrora espião britânico, o seu homónimo Graham Greene.

Apesar de ser ficção, o livro vive da larga experiência do autor na Índia, e tenho dezenas de frases sublinhadas que descrevem os meus próprios sentimentos e situações vividas por lá. Mais do que a estória em si, que é cativante e está muito bem escrita, foram estas descrições e reflexões que me agarraram. Agora que o recordo, fico com vontade de o ler outra vez. É um dos meus livros preferidos.

A Suitable Boy, Vikram Seth

Este colosso de 1488 páginas foi um tijolo na minha mochila, mas leve como uma pena na leitura. Ainda tentei arranjá-lo para o kindle, mas não encontrei versão digital. Tocou carregá-lo desde Calcutá, e depois deixá-lo no meu café preferido em Agonda, com esperança que outra pessoa lhe pegue e goste tanto como eu. 

O livro foi publicado em 1993 e passa-se na Índia pós-independência, recém-saída da partição. Acompanha a vida de quatro famílias, durante 18 meses, centrando-se na mãe de uma das famílias, Mrs Rupa Mehra, nos seus esforços para encontrar um rapaz adequado para casar a sua filha, Lata. Com 19 anos e a estudar na universidade, Lata não tem qualquer interesse em casar. Entretanto, aparecem pretendentes e apaixonados, e a história das famílias vai-se desenvolvendo, ao mesmo tempo que a história da Índia.

Está lá tudo. O choque de gerações e tradições, as diferenças sociais, as diferenças religiosas, os motins, as rotinas e as tentativas de fuga, o dilema entre o respeito pelos mais velhos e a não identificação com a vida que pretendem impor, a futilidade de algumas classes sociais, as reformas agrárias, as primeiras eleições pós-independência e a queda de alguns sistemas feudais. 

Podia ser um livro pesadão e chato, mas é o oposto. A escrita é descomplicada, mas poética quando deve ser e os temas são introduzidos com naturalidade. Os personagens são tão complexos como as pessoas que pretendem representar, sem cair na caricatura e ajudam-nos a compreender as reações das pessoas aos episódios históricos . Fiquei com muita pena de ter de deixar o livro, porque suspeito que voltaria a lê-lo outra vez.

The Ministry of Utmost Happiness, Arundhati Roi

Podia recomendar também o God of Small Things, o primeiro livro da autora, que é um dos livros mais bonitos que já li. Mas como comprei este em Calcutá, o li durante as minhas viagens, é bastante mais recente e me impactou mais pela actualidade e dureza da história, alongo-me mais sobre ele. Leiam os dois.

Fazer um resumo do livro é missão impossível, pela quantidade de personagens e histórias paralelas. Podemos, talvez, identificar dois personagens principais: Anjum, uma Hijra que vive num cemitério, nascida Arjun, rapaz hermafrodita e S. Tillotama, uma vítima de um motim, rapariga das classes altas de Delhi que se envolve nas lutas pela liberdade em Caxemira, mas há uma miríade de outros. É um livro longo, no qual não se vislumbra, durante muito tempo, uma estrutura, um enredo. Mas, chegados ao fim, para mim (muita gente discorda desta opinião) há um fechar de ciclos e atam-se as pontas soltas. 

Da sinopse oficial: “Uma viagem íntima pelo subcontinente indiano, desde os bairros superlotados da Velha Deli e os centros comerciais reluzentes da nova metrópole às montanhas e os vales de Caxemira, com um elenco glorioso de personagens inesquecíveis, apanhadas pela maré da História, todas elas em busca de um porto seguro”.

Arundhati Roi mete no romance todas as suas conhecidas convicções contra a governação actual (na verdade, as das últimas décadas) e os problemas da Índia moderna. Fala da discriminação das Hijras e das classes sociais mais baixas, das lutas religiosas entre hindus e muçulmanos, do conflito em Caxemira e da brutalidade do exército, da corrupção e do vale tudo nas lutas pelo poder, do amor, da perda, das relações humanas em todas as suas dicotomias e contradições. Fá-lo através das personagens, sem nunca descurar a sua escrita pormenorizada, poética e delicada. Mesmo quando é um murro no estômago.

Sadhus: Going beyond the dreadlocks, Patrick Levy

É muito difícil classificar este livro. Quase como foi difícil lê-lo. Não por falta de qualidade, mas pela complexidade do que descreve. Patrick Levy é um escritor francês ateu, mas que se dedica a escrever e estudar as religiões e a espiritualidade. Para este livro, acompanhou e viveu a vida dos sadhus indianos. O livro, misto de narrativa de viagens e ensaio filosófico, acompanha essa experiência, descrevendo o percurso, as conversas com o seu mestre e com todos os outros sadhus com que se encontram e as reacções das pessoas a esses homens santos do hinduísmo. Mostra bem a complexidade e variedade de razões para essa escolha, bem como as muitas contradições que se encontram nas várias correntes.

É um livro super interessante, muito bem escrito e cativante. Mas a necessidade de recorrer constantemente a um glossário de 11 páginas para as palavras/conceitos hindus intraduzíveis, a complexidade e variedade de deuses e de maneiras de viver a religião transmitidas fizeram-me precisar de imenso tempo para ler o livro. Muitas vezes senti que o meu cérebro dava um nó e tive de assumir que alguns conceitos me escapavam e não havia nada que pudesse fazer. Parece-me incrível que o autor se tenha sujeitado a viver naquelas condições, mas fico com uma grande admiração por ele.


Este post tem links de afiliados. Ao clicarem no link são dirigidos para a página respectiva da Wook. Se comprarem o livro através desse link, recebo uma comissão de 5%, a usar em livros. A vocês, sai exactamente ao mesmo preço. Eu li quase todos nas versões originais, em inglês, e por isso nomeio os livros da mesma maneira. Mas coloquei os links para as versões em português, quando existem.

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