Casa do Rio

História de uma estadia perfeita, encaixada entre vinhas e o Douro

Luxo, definição: “Modo de vida que inclui um conjunto de coisas ou actividades supérfluas e aparatosas. Bem ou actividade que não é considerado necessário, mas gera conforto ou prazer”.

Há luxos que são só pedantes e depois há o luxo das coisas bem feitas, da atenção personalizada, mas nada arrogante, das madeiras que encaixam na perfeição, do conforto dos bons materiais naturais. O luxo da simpatia dos empregados, que são também anfitriões e transmissores da sabedoria centenária saboreada nos vinhos da Quinta do Vallado. Há luxos que excluem e luxos inclusivos de quem quer que venha por bem, para conhecer e apreciar o entorno cuidado, a beleza dos detalhes, o estímulo aos sentidos. Todos os sentidos. 

Chega-se à Casa do Rio como se se mergulhasse. Da estrada que sobe da embocadura do Côa com o Douro, como quem vai para Castelo Melhor, vira-se à esquerda na entrada assinalada e é ir escorregando pela calçada em zig-zag, em direcção ao rio, nas ondas dos socalcos. São dois quilómetros a descer, entre oliveiras, amendoeiras e vinhas. O corredor de ciprestes sinaliza a proximidade à casa. Estamos já encaixados entre videiras.

Eu e o Borja chegámos ao início de uma tarde que ora se mostrava solarenga, ora se escondia em cinzentos. Fomos recebidos pelo José que, alternando com a Eulália, foram os anfitriões dos dois dias que ali passámos. Notou-se-lhes a competência na coordenação da casa, sem que nunca lhes faltasse simpatia e disponibilidade. 

A Casa do Rio é um projecto satélite da Quinta do Vallado. Em 2009, os proprietários dessa quinta histórica do Douro Vinhateiro (perto da Régua) adquiriram estes 30 hectares de terra, plantaram 20 hectares de vinha biológica – estas ondas que nos rodeiam – e fundaram a Quinta do Orgal. Entre as vinhas estão as amendoeiras e oliveiras típicas da região e várias laranjeiras. Em 2015 surgiu a casa, como unidade hoteleira de enoturismo.

Totalmente construída em madeira, assente sobre pilares num recôncavo da encosta consegue, ao mesmo tempo, destacar-se e integrar-se na paisagem. Este usar da inovação ao serviço do conforto e da natureza, potenciando – numa contradição apenas teórica – a tradição estende-se a todos os aspectos da decoração e funcionamento da casa. Isso vê-se e sente-se enquanto por lá andamos, e foi também premiado na categoria de “Práticas Sustentáveis de Enoturismo” nos prémios Best of Wine Tourism de 2016.

O vinho, como não podia deixar de ser, é omnipresente e bem-vindo. Está nas vinhas que abraçam a casa em fiadas verdes que terminam no Douro, no Porto Branco oferecido para o brinde de boas-vindas e como mimo nos quartos, no armário de garrafas deitadas ao jeito de instalação artística na sala de estar, nas garrafas expostas no bar e na loja. Há provas comentadas para os hóspedes todos os dias às 17h e o jantar é também um momento de degustação com três vinhos emparelhados com os pratos servidos.

Nesse primeiro dia, porque o sol insistia em brincar às escondidas e a temperatura não estava para mergulhos, demorámo-nos na varanda do quarto, de copo na mão. Voltados para o rio, com o laranjal e as piscinas pequenas aos pés e as vinhas em torno, escutávamos o vento e os pássaros enquanto as nuvens iam lançando sombras suaves no verde circundante. Dentro do quarto, as madeiras e o branco fofo da cama convidam também ao descanso e a lareira suspensa faz adivinhar o conforto do lume em dias mais frios. A grossura do janelão traz a paisagem para dentro, mantendo os elementos lá fora.

Quando saímos do ninho, ao fim da tarde, espreitámos a piscina, que mesmo sem mergulhos vale pela vista e decidimo-nos por um passeio pela quinta.

Relembro em toda a nossa estadia este dilema entre a contemplação e o movimento. A tentação de não fazer nada e ficar apenas a observar o abanar das folhas, o correr do rio, o voo das aves, é grande. Mas na Casa do Rio essa deferência quieta é também um desperdício. Há trilhos marcados para caminhadas e bicicletas, caiaques e pranchas de SUP disponíveis. Há provas de vinho comentadas e passeios de barco. Natureza, vinho e desporto. Tudo o que eu preciso para ser feliz.

Quando acordámos no dia seguinte, o rio era um espelho. Depois de um pequeno-almoço de reis na varanda comum, que é também sala de jantar, descemos ao pequeno cais, junto à linha de comboio abandonada e passámos a manhã a remar e embalados pela corrente.

Sozinhos, entre risos e silêncios, notámos o reflexo do V perfeito das encostas na água, o prolongar das curvas das vinhas, o contorno mutável das nuvens. Estar ali pode ser tão activo ou tranquilo como escolhamos e às vezes, pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Luxo é também essa liberdade.

Nessa tarde, entre os mergulhos e o descanso na piscina, deixámos passar a hora das provas comentadas, mas a Eulália, sempre disponível, fez-nos a prova durante o jantar. Desdobrando-se entre todas as mesas sem falhar a ninguém, conseguiu ainda dar-nos a atenção e informação que os vinhos merecem e fazer o emparelhamento perfeito com os pratos. Gostámos de todos, mas rendemo-nos à originalidade do Sousão monocasta e deliciámo-nos com o final perfeito que foi o Porto Tawny de 20 anos. Ao Borja ainda lhe brilham os olhos quando falamos disso.

Com o suporte dos 300 anos de história da Quinta do Vallado, na Casa do Rio a modernidade mistura-se com a tradição numa balança que vai pendendo mais para um ou o outro lado, mas que nunca desequilibra. Acompanhando esta tendência na decoração e nos vinhos, a cozinha tanto moderniza os pratos tradicionais, potenciando-os, como faz aquela sopa igualzinha à que fazia a minha avó. Os ingredientes, quando não vêm da horta biológica que vemos da varanda onde comemos, são seleccionados de produtores locais.

Luxo é também esse cuidado e essa proximidade. E é comer nessa varanda-sala-miradouro, enquanto o dia se alonga noite dentro e os tordos e os papa-figos passam em bandos na sua azáfama do fim de dia. Enquanto o céu escurece, o sol se põe atrás das vinhas e brindamos à natureza, ao engenho humano e às coisas bonitas.


Ficámos na Casa do Rio a convite da Quinta do Vallado, no âmbito da inciativa #euficoemportugal da Associação de Bloggers de Viagem Portugueses. Reservo-me sempre o direito a uma opinião e texto isentos, independentemente das parcerias. Acho que dá para perceber o quanto recomendo uma estadia aqui.

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