A vinha mais alta de Portugal
Sabe quem me conhece melhor que sou apreciadora de vinho. Diria de vinho, ponto, não necessariamente de vinho óptimo (seja lá isso o que for). Mas, sendo pupila orgulhosa d’Os Goliardos tenho de confessar a minha tendência para produtores mais pequenos, que respeitam o terroir, a herança da terra que lhes acolhe as uvas. Tenho um carinho especial por gente com vontade de fazer bom e bonito, no que toca ao que melhor se espreme do equilíbrio da autenticidade com originalidade. Não sou nem de perto especialista por isso não é assunto sobre o qual costume escrever, mas as regras existem para serem quebradas, com quem o merece.
E quem o merece, neste caso é o Francisco Gonçalves e os seus vinhos Mont’Alegre. Conheci-o no último almoço da press trip Jornadas Gastronómicas, organizado pela Câmara de Montalegre e o Turismo do Porto e Norte, no restaurante Albelo do Gerês. Numa conversa franca, ambos de copo na mão, explicou-me como decidiu “empobrecer alegremente” ao abandonar o trabalho numa grande casa do Douro, para vir fazer vinhos de altitude na terra mãe.

Montalegre não é terra de vinho. A escolha do lugar prendeu-se não só com a ligação familiar, mas com a vontade de fazer diferente, de diversificar o mundo dos vinhos. As uvas, autóctones de Trás-os-Montes, são apanhadas em Mogadouro, Macedo de Cavaleiros e Chaves, zonas já frescas e altas, e a extracção é feita no local. Depois vêm em cisternas até à adega, em Montalegre, que está quase a 1000 metros de altitude e aqui fazem o estágio em cubas, barricas ou garrafas, consoante o vinho que se pretende. Esta altitude confere baixa pressão atmosférica, fraca concentração de oxigénio e menor oscilação das temperaturas que na origem, o que lhes dá uma maior frescura que os vinhos transmontanos tradicionais, mais equilíbrio e elegância.

Mas a inovação e coragem de fazer diferente do Francisco (e do irmão, Paulo Gonçalves, que trata da gestão do negócio) não ficam por aqui. Não contentes com “apenas” produzir vinhos de altitude, decidiram plantar a vinha mais alta de Portugal. A 1025 metros, numa colina voltada para o castelo de Montalegre, que olha para a vila de cima, avançaram com a plantação num terreno que, tradicionalmente, pouco mais dava que batatas, milho e centeio.

Loucura? Segundo a maior parte das pessoas da terra, sim. Francisco discorda. A neve e as geadas são as razões mais apontadas para a impossibilidade de sucesso, mas ele acredita que as alterações climáticas criam condições para o crescimento das videiras. Para além disso, a escolha das castas (todas brancas), a sua distribuição pelos terraços e a orientação destes foi cuidadosamente pensada para contornar os efeitos destrutivos dos ventos, neve e geadas. E o certo é, que contra todas as previsões catastróficas, a primeira vindima foi feita este ano. Daqui, resultará “um vinho branco diferente, procurando transmitir este terroir específico. A altitude extrema vai dar uma frescura aos vinhos ímpar associada a uma mineralidade extraordinaria proveniente dos solos graniticos”. No futuro, está na calha um espumante e, quando as condições o permitirem, um “ice wine”, algo inédito em Portugal. Este vinho é feito a partir de uvas cuja congelação na vinha provoca desidratação, obtendo-se um vinho mais doce e concentrado, tipo colheita tardia.
Já para o fim da nossa conversa descobri ainda que a Casa da Avó Chiquinha, onde tinha pernoitado, era também da família, o que me deixou muito feliz. A casa é gerida pelo irmão Paulo e pela mãe, a própria Avó Chiquinha, que tão amavelmente nos tinha recebido e tratado ao pequeno-almoço. Tive pena da brevidade da estadia, que foi dormir e andar, vítima da vontade de mostrar tudo típica de uma press trip. Mas lembro a elegância da casa e da decoração, onde, agora que penso nisso, as garrafas de Mont’Alegre eram realmente presença constante. Lembro o conforto da cama onde apaguei de cansaço, e a vista sobre a piscina e Montalegre, ao acordar. Apesar da estadia breve, não hesito em recomendar, como não hesitarei em voltar.

Nesse almoço provámos vários, brancos e tintos, que me vou abster de avaliar por falta de prática e memória. Deixei-me levar na conversa, no almoço e no vinho e pouco anotei, sinal de uma satisfação tremenda. Sei que gostei, muito, e que senti um grande privilégio por poder ficar a conhecer a sua história.