Tenerife: Natureza e Afectos

Tenerife encantou-me muito além do que estava à espera. Apesar de já lá ter estado há 20 anos, não me lembrava de quase nada. Fui principalmente, agora, para ver uma amiga espanhola que lá vive. Mas, em pesquisas rápidas, percebi que havia um mundo de maravilhas naturais para explorar, para além do Teide (que, para além do peixe com “papas arrugadas y mojo” era a unica memória que tinha). Parti entusiasmada. Para além de matar saudades, podia descobrir dezenas de trilhos, vários parques naturais, praias, falésias, animais variados, estradas de montanha e miradouros. Enquanto a Bea trabalhava, eu explorava, e ao fim do dia trocávamos ideias, como fazíamos quando fomos vizinhas em Lisboa. Ao fim de semana, passeávamos juntas. Quinze dias souberam a pouco, quando há tanto para ver, ao meu ritmo preferido. O da natureza e dos afectos.

Deixo-vos 9 das minhas experiências preferidas destas semanas em Tenerife. Continuando com o tema das memórias, em vez de roteiros, porque, já sabem, não gosto de os escrever, nem de os ler. Encher um texto de “os melhores sítios” ou “o que fazer” em Tenerife não me faria sentido. Melhores porquê? E para quem? Mas, gosto muito de partilhar experiências, contar o que me aconteceu. Acho que a inspiração, que espero conseguir passar, tem de vir daí. Para informação mais prática, vão clicando nos links. Afinal, a inspiração também pode vir com informação e facilitar-vos um pouco a vida.

Floresta Laurissilva no Parque Rural de Anaga

Caminhei entrelaçando trilhos, sem saber muito bem ao que ia. Foi a minha introdução ao Parque Rural de Anaga, que ocupa toda a ponta nordeste da ilha. A escolher apenas uma zona preferida da ilha, era este parque.

Comecei pelo trilho dos sentidos, que parte do parque do Centro de Visitantes de Cruz del Carmen e é o mais simples de todos. Tem até uma zona, mais curta, habilitada para cadeiras de rodas. Quase sempre debaixo das árvores milenares da floresta Laurissilva, ou monteverde, acompanha o traçado de um antigo caminho real, que unia os povoados de Anaga a La Laguna. A espaços, há placas informativas sobre a flora, e a convidar à apreciação de determinados sons, texturas ou pormenores visuais. Têm a sua graça, mas, para mim, o verdadeiro protagonista é a paisagem em si. Como cheguei cedo, tive o privilégio de fazer este bocado de caminho, que encheu pouco tempo depois, quase sem ninguém.

Floresta Laurissilva de Tenerife

Dali, atravessando a estrada, decidi apanhar o trilho TF11, que levaria até Punta del Hidalgo e seguir até me apetecer voltar para trás, porque tinha o carro estacionado no Centro de Visitantes. Sem esta limitação, ou com mais tempo para depois apanhar um autocarro de volta, poderia fazer os 18 km. 

A curiosidade e um acaso levaram-me pelo Camino Hija Cambada, depois de ver uma placa onde ninguém virava, mas que me pareceu adentrar-se na floresta. Era trilho marcado.

Parque Rual de Anaga, Tenerife

A ausência de pessoas deixava os pássaros tranquilos. Parei, para silenciar o ruído dos meus passos nas folhas secas e fiquei a olhar a luz que se filtrava através do verde das folhas. Com o meu sossego e silêncio, eles ficaram ainda mais à vontade e começaram em conversas animadas. Piares e chilreares diferentes soaram a toda a volta. Olhando para o GPS, percebi que podia juntar este caminho ao do Lomo del Boquerón e chegar ao Mirador de Zapata. Aí, apanhando parte do trilho TF12, voltava a ao TF11, fazendo um loop e voltando ao início. Foi perfeito. 

Parque rural de anaga, Tenerife

Cruzei-me apenas com 6 pessoas pelo caminho, já nas partes mais acessíveis desde a estrada. Andei feliz, sozinha, morro acima, morro abaixo, quase sempre na sombra das árvores. Os ventos alísios, que permitem a sobrevivência desta floresta, iam soprando entre as folhas, mantendo a temperatura agradável. Era só o primeiro passeio do primeiro dia, e já estava rendida.

Trilho de Punta del Hidalgo a Las Carboneras

Punta del Hidalgo, vila e pedaço de terra que entra mar adentro, nas saias do Parque Rural de Anaga, no norte da ilha. Há piscinas naturais em Bajamar, ondas para surfistas, hotéis decadentes, espaços para retiros de yoga e um farol modernista, mas o que me levou lá foi o trilho que sobe até Chinamada, e daí a Las Carboneras. 

Do mar ao topo da falésia, em zig-zags pela parede norte do Barranco Seco. Verde brilhante de um lado, a cair a pique para o vale, uma parede às vezes negra, às vezes vermelha, coberta de cactos, para o outro.

Primeiro, três quilómetros de degraus de pedra e terra, sempre a subir. De repente, dobrei uma esquina e estava de novo com mar em frente, agora a meio da falésia. Vento salgado, que desapareceu na esquina seguinte. A parede do barranco faz uma curva e vê-se o trilho à distância. Uma linha vermelha, numa parede vermelha pintalgada de verde. Há covas que foram casas do Guanches, há séculos. Diz-se que há quem ainda viva por ali. 

4,5 km depois, vêm-se socalcos. Três casas. Um restaurante fechado. Em Chinamada a paisagem alterna entre montes abruptos e plantações.

Chinamada

Segui, fazendo um círculo que me trouxe ao mesmo ponto. Subi pelo trilho TF 10.1 até Las Carboneras, aldeia empoleirada no monte, contornei o pico do Roque Tenejía e voltei a apanhar o TF 10 (que vai de Punta del Hidalgo até Cruz del Carmen).

Las Carboneras

Mais quatro quilómetros nesta voltinha. Entre Las Carboneras e Chinamada, já a descer de volta, regressaram as árvores. Voltava a estar no coração do Parque Rural de Anaga. O sol começava a apertar e a sombra era bem-vinda.

Comecei a cruzar-me com mais pessoas, a fazer o caminho inverso. Na descida a Punta del Hidalgo, repeti o caminho, mas também o espanto. Parei mil vezes a olhar e sorrir. Era uma da tarde. Fazia muito mais calor e havia bastante mais gente. Nórdicos com bastões, adolescentes ingleses escaldados e russos totalmente desprevenidos, de chinelos. Senti-me privilegiada (e esperta) por ter subido mais cedo.

Pôr do sol na praia La Tejita

Quase não pus o pé no sul de Tenerife, onde se distribuem os milhares de resorts e aldeamentos a que a ilha está associada. É feio e vai contra tudo o que acho que o turismo deve ser, por muito que as praias possam ser boas. Mas houve uma excepção. A praia La Tejita e a sua montanha vermelha, na zona de El Médano.

Num sábado, fui até lá com a minha amiga e anfitriã Beatriz, que a recomendara. Garantiu-me que era dos poucos sítios que ainda se mantinham livres desse turismo de massas. No minimercado do parque de campismo ao lado da praia comprámos cervejas e azeitonas, para o pôr-do-sol.

A grande meia lua da praia tinha menos de uma dezena de pessoas. O vento fresco não estava apelativo, mas encontrámos um murete de pedras empilhadas, para fazer de tapa-vento. Estavam vários espalhados, também em meia lua, como as protecções das vinhas nos Açores e Lanzarote. Em vez de videiras, tinham pessoas. A areia, cinzenta, brilhava enquanto revolteava, como se tivesse diamantes.

Perto do pôr do sol, mudámo-nos para as rochas no sopé da montanha (que é mais uma colina). Menos vento e melhor perspectiva. Este antigo cone vulcânico destaca-se, numa das extremidades da praia, mar adentro, como se fosse uma barbatana de tubarão à superficie. Começava então a sua metamorfose, de castanha a vermelha, por causa do reflexo dos minerais com o amarelo-torrado da luz a essa hora.

Fazendo uma volta de 360º, víamos a montanha, o mar com o sol a afundar, a terra a subir e a culminar no pico do Teide e de novo a montanha vermelha. As excepções confirmam as regras, e aquele sul valeu a pena a visita.

Parque rural de Teno: A estrada para Masca e o Barranco de Masca

Estrada para Masca, desde Santiago del Teide

Depois de uma estrada vertiginosa, em que cada curva-cotovelo nos deixa de queixo caído, chega-se à aldeia de Masca, pendurada no barranco com o mesmo nome. Verde jurássico e pedra negra, numa fenda aberta ao azul mar.

Descer o barranco exige marcação, e os lugares estavam lotados até Abril. Limitei-me a caminhar por todos os recantos da aldeia, deslumbrada com as vistas em todas as direcções. A pedra, o verde, o mar, La Gomera ao fundo. 

Entrei vinda do lado de Santiago del Teide e saí em direcção a Buenavista del Norte.

De Masca a Buenavista del Norte

Subir e descer, subir e descer, subir e descer, curva, contra-curva, curva, contra-curva e paragens em todos os miradouros e pedaços de estrada que não bloqueavam a passagem. Como resistir à paisagem? O único arrependimento? Não ter mais dias para voltar e caminhar por aqui. Já precisei de muito menos para voltar aos lugares que mexeram comigo.

Passeio de barco em Los Gigantes

Los Gigantes foi uma aldeia piscatória no extremo oeste de Tenerife, cujo nome vem dos enormes penhascos que a limitam. Hoje em dia, é mais uma “vila resort”, com centenas de hotéis, apartamentos e casas distribuídos em terraços, falésia abaixo, até ao porto de recreio. O que nos levou lá foram os penhascos que lhe dão nome e a localização privilegiada para sair de barco a ver cetáceos.

Estas paredes de rocha vulcânica estão localizadas no Parque Rural de Teno. A altura das falésias em alguns pontos excede os 600 metros e a cor escura das paredes e colunas de lava solidificada fazem de Los Gigantes uma paisagem natural única em Tenerife. O passeio de barco, para além do avistamento de fauna, percorre a sua base desde a água. São impressionantes.

Nesse dia vimos golfinhos-comuns, golfinhos mosqueados e uma baleia. Entre gritinhos de excitação e silêncios sentidos, o deslumbre foi tal que nem gravei a baleia, mas os golfinhos brincaram e comeram à nossa volta durante quase duas horas. Nós éramos mais crianças felizes que as crianças do barco.

Para coroar a experiência, ainda demos um mergulho em frente ao Barranco de Masca, que eu não conseguira descer uns dias antes. Foi maravilhoso flutuar naquela água azul turquesa transparente, de frente para as falésias.

Santa Cruz de Tenerife

A capital da ilha é normalmente ignorada pelos visitantes. É certo que não é tão pitoresca como as cidades coloniais de La Laguna, Orotava ou Guarachico e não dá o acesso fácil à praia de Puerto de La Cruz ou os resorts do sul. Como a Bea vive em Santa Cruz, essa foi a minha base e ainda bem. 

Não é uma cidade com grandes atracções turísticas, mas é uma cidade onde se vive. Isso é o que (também) procuro conhecer nas minhas viagens. E esta é uma cidade animada, com muitos restaurantes e bares, um bom passeio marítimo, jardins frondosos, centros culturais e mercados animados. Há muitas ruas pedonais ou com grandes passeios, arte urbana e árvores enormes com flores coloridas.

Eu passava o dia fora, a conhecer o resto da ilha, mas era óptimo voltar ao fim do dia e ir dar uma volta ou jantar com a Bea. Lembro-me particularmente bem da fusão imprevista, mas deliciosa, dos sabores tradicionais canários com asiáticos do Café Caramba, e da animação do Mercado de Nuestra Señora de Africa um sábado de manhã, onde abastecemos de azeitonas, frutas e raviolis caseiros para o almoço.

O Parque Garcia Sanabria, ao lado de casa, encantou-me desde o primeiro dia, com as suas enormes árvores tropicais, o relógio de flores e as esculturas escondidas no meio do verde. Ao fim do dia, enchia-se de famílias a tapear no café ou a passear. O terraço do restaurante Strasse Park, no meio das árvores iluminadas de várias cores, foi poiso de um jantar de horas, regadas por copos de vinhos diferentes da ilha, bem sugeridos pelo empregado.

O Dragoeiro de Icod de Los Vinos

Icod de Los Vinos é uma cidade bastante turística, é certo. O seu dragoeiro milenar aparece em todas as fotos de Tenerife e há excursões e tours de vários pontos da ilha só para o ir espreitar. Ajuda a localização, entre Puerto de La Cruz e Garachico, as zonas mais turísticas da costa norte. Ainda assim, porque não resisto a árvores anciãs, decidi ir até lá.

Não me arrependi. É certo que há bastante gente a circular nas ruas da zona histórica e no jardim que dá vistas para o dragoeiro, principalmente se se for tarde. Mas isso contorna-se chegando cedo. Eu cheguei eram 10.30h e ainda não se viam multidões. Pude perder-me à vontade pela zona histórica, que está bem arranjada e, porque andava perdida, ser surpreendida com o aparecimento desta árvore desde um miradouro num jardim.

El Drago de Icod de Los Vinos

Ainda não decidira se queria pagar a entrada para o espaço que permite que nos aproximemos do dragoeiro, mas ao vê-lo ali de mais longe soube que sim. Entrei, e contornei-o, enorme, primitivo, com aquele ar entre árvore, cacto e suculenta. 17 metros de altura e mais de 1000 anos, é de admirar de perto.

Percorri todo o parque, que ensina também sobre a flora e fauna de Tenerife, ora olhando para o dragoeiro, ora olhando para o Teide, que brilhava. Quando comecei a ver muita gente saí, enquanto o momento não perdia o encanto.

Estrada para Benijo

Voltei ao Parque Rural de Anaga nos meus últimos dias, porque a Bea me queria levar à sua praia favorita. Coincidia ser também lugar de passagem de um dos trilhos que eu queria ter feito (este), mas o tempo não chegou para tudo. A praia de Benijo é bonita, sim. Mas, como em tantas outras coisas, só o caminho para lá valeria a pena a deslocação.

Saímos de Santa Cruz a meio da manhã, em direcção a San Andrés. Nesta pitoresca vila, adjacente à famosa praia Las Teresitas, a só oito quilómetros de Santa Cruz, virámos para a estrada TF12, que sobe o Barranco de Las Huertas, adentrando-se no parque. Mais uma vez, curva-contracurva de espanto e verde. As casas desaparecem e ali vamos em direccão ao céu, com o mar a aparecer nas curvas certas. Chegando a El Bailadero, virámos para a TF134, ainda mais estreita, ainda mais serpenteante e foi sempre a descer até Roque de Las Bodegas, aldeia com 10 casas e 3 restaurantes, practicamente em cima da areia. O clima estava temperamental e íamos entrando e saindo das nuvens consoante a altitude e a encosta para onde estávamos viradas.

Da praia de Roque até Benijo, a estrada segue a costa, mais acima ou mais abaixo, sempre com o mar à vista. 

Benijo, Tenerife

O dia nada prometedor da nossa chegada, cinzento e frio, transformou-se em sol a rodos. A praia, vazia, foi enchendo sem nunca lotar e até tivemos direito a aterragens de parapentes no areal.

Playa de Benijo
Praia de Benijo

Ao fim do dia, voltámos pelo mesmo caminho, salgadas, bronzeadas e felizes.

Parque Natural del Teide

Sendo certo que tinha memória de ter estado no Teide há 20 anos, não me lembrava de muito mais que uma paisagem lunar abstracta, vista de passagem quando atravessámos a ilha de um lado para o outro. Sabia que teria de voltar para explorar mais a fundo. Acabei por ir duas vezes. 

Da primeira, ao fim de uma semana de Tenerife com calima, que escondia o omnipresente pico, lembro-me principalmente do espanto de dar com ele de frente, numa curva da estrada. Subía pela Carretera de La Esperanza, vinda de La Laguna, uma estrada praticamente vazia ladeada de florestas de pinheiros. Há medida que a altitude aumentava, a temperatura diminuía e a vegetação ia-se tornando mais rasteira. De repente ele aí estava. Um gigante a vigiar a costa, o pico nevado voltado para o mar, vários ecossistemas por ali abaixo. Façam-se um favor e, mesmo que estejam do outro lado da ilha, venham subir esta estrada, tão menos concorrida, tão mais bonita. 

Nessa primeira vez, limitei-me a atravessar o Parque Nacional del Teide, percorrendo a estrada TF-21. Já decidira voltar com mais calma e mais cedo, para evitar as multidões, por isso fiz só um reconhecimento para a visita seguinte. Parei no Jardim Botânico do Centro de Visitantes de Portillo, no Miradouro das Minas de San José e do Valle de Las Piedras Arrancadas e no do Llano de Ucanca, para diferentes vistas do pico e das paisagens lunares de diferentes cores e composições. 

Na segunda volta, marquei (é obrigatório) a subida no teleférico e fui ainda mais cedo. Foi incrível fazer a caminhada dos Roques de Garcia apenas com mais quatro ou cinco pessoas a circular. Observar as formas das diferentes rochas, a Catedral, o Félix Mendes, o Roque Chinchado, sempre vigiados pelo pico do Teide.

Queria muito ter feito as caminhadas da caldeira, saindo do teleférico, mas a mesma neve que lhe dava encanto extra proibia o acesso, excepto a montanheiros profissionais e equipados. Limitei-me ao espanto de ver o mar de nuvens que se espraiava para lá do observatório e dividia o céu e as várias cores das várias pedras e caldeiras que compõem este parque natural. Cheguei no limite. Em três minutos as névoas tocadas a vento rodearam tudo e não se via mais que três palmos à frente do nariz. 

De volta à base do teleférico, quase 1000 m de diferença de altitude, fiquei abaixo da nuvem e o dia seguiu claro. Larguei de novo o carro e contornei a Montanha Majua, colina amarela, encadeando trilhos à medida das vistas que me chamavam.

Podia ter ficado ali dias, mas as horas começavam a escassear e forcei-me a partir. Como em tantos outros lugares de Tenerife, ficou prometido o regresso.


Se precisarem de material para as vossas caminhadas (ou qualquer outro desporto), podem clicar no banner abaixo. Para vocês é igual e eu ganho uma pequena comissão, que ajuda a financiar todas as aventuras que vou partilhando. Se precisarem de recomendações, a minha caixa de comentários e mensagens está sempre aberta!

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s