Este ano que acabou, voltei a um hábito antigo, que tinha perdido. Anotar todos os livros que li. Não tanto por achar que a quantidade conta e a quero medir, mas porque, constatei, às vezes esquecia-me do que já lera. Como me pus como objectivo estimular-vos a leitura, através da partilha do que me vai passando pelos olhos, ficar com a referência ajuda.
Portanto, em modo resumo de um parágrafo para os preferidos, aqui fica uma lista dos livros que li em 2022. Vários porque estavam na calha há tempos, muitos comprados na Colômbia, quatro em pesquisa sobre a Grécia, uns quantos oferecidos e outros tirados (mais ou menos) aleatoriamente das prateleiras cá de casa. Dentro de cada categoria, estão listados aleatoriamente, sem ordem de preferência.
Os preferidos
Volver la vida atrás, Juan Gabriel Vásquez
Meio século de história, através da vida do realizador colombiano Sérgio Cabrera. Aqui cabe a guerra civil espanhola, o exílio americano de uma família republicana, a China de Mao e da Revolução Cultural, os movimentos armados da Colômbia dos anos 60 e a tentativa gorada dos primeiros acordos de paz, em 2016. E cabe toda a sensibilidade de um escritor brilhante, que conta a história real de uma família arrastada pelo peso da História.
El ruído de las cosas al caer, Juan Gabriel Vásquez
Ficção e romance embrulhados magistralmente em episódios da história colombiana. História de uma amizade frustrada e uma investigação que esconde a vontade impossível do protagonista de descobrir porque a vida lhe aconteceu como aconteceu, e como continuar. Relato lúcido de como o narcotráfico influenciou a vida de quem nasceu com ele, e marcou (ainda marca) uma geração presa no medo e na desconfiança.
A Tosse, Mami Pereira
É música clássica e filosofia do quotidiano. São crónicas que nos contam a história de compositores e das suas composições, embrulhadas em reflexões sobre os mais variados temas, que brotam naturalmente como as notas das músicas que escutamos enquanto lemos. É bonito, e divertido e educativo. São lições que não sabia que precisava, até me ver a dançar na varanda de livro na mão enquanto assentia com um sorriso à reflexão escrita.
Como perderlo todo, Ricardo Silva Romero
Crises matrimoniais, ao longo do ano maldito de 2016. Enquanto se desenrola o referendo pela paz na Colômbia, Trump ganha as eleições nos EUA e o Brexit avança, diferentes casais atravessam distintas crises, narrando-nos a tragicomédia das vidas amorosas e os absurdos das relações que construímos nas redes sociais. Uma ficção apenas aparentemente mais leve, de um dos meus escritores preferidos.
Born a Crime, Trevor Noah
Autobiografia da infância e adolescência do humorista, que é também um retrato da África do Sul dos anos finais do apartheid e os tumultuosos tempos que lhe seguiram. O título refere-se a ele mesmo, mulato num país em que a mistura racial dava prisão. Cheio de episódios inacreditáveis, o livro não é nunca lamechas, quando podia facilmente cair nesse buraco. E é uma bonita homenagem à sua mãe, a responsável pela sua capacidade de quebrar os ciclos de pobreza, violência e abuso, destinados a tantos outros como ele.
El infinito en un junco, Irene Vallejo
A origem e história dos livros na antiguidade. São centenas de histórias, reais e de livros lidos, que atravessam a História. Que emocionam enquanto explicam, como os bons romances sabem fazer. São tantos romances dentro deste livro que não é um romance, mas às vezes parece. Uma história de amor aos livros. O infinito num junco.
Eleni, Nicholas Gage
A prova que os livros, como a vida, podem ser, ao mesmo tempo, terríveis e belos, sufocantes e transformativos. E de como, na guerra e no que lhe segue, o cinzento é a única cor e não há nunca vencedores, somos todos vítimas. Nicholas, jornalista consagrado, fugiu em criança de uma aldeia do norte da Grécia durante a guerra civil, em 1948. Num plano elaborado pela sua mãe, escapou com as suas irmãs das montanhas e para os EUA, para que não fosse, como tantas crianças nesa época, levado pelos comunistas para o outro lado da cortina de ferro. Eleni, a mãe, ficou para trás, sofrendo a tortura certa e o fuzilamento. Este, é o desenterrar e revelar da sua história pelo seu filho, décadas depois.
O Retorno, Dulce Maria Cardoso
A história de um capítulo negro da nossa história portuguesa, vista pelo olhar de um rapaz de 15 anos, obrigado a retornar de Angola no pós-25 de Abril (que será também o olhar da autora, que o viveu). Ficção que não é só ficção, mas que se lê, bem, como ficção. Devia ser leitura obrigatória nas escolas (é, já?) em Portugal. Confesso a minha ignorância prévia das nuances macabras e tão injustas (para ambos os lados) da descolonização e do retorno, que este livro ilustra tão bem. Eram apenas uma linha passageira da história, que agora consigo humanizar e pôr em perspectiva não só no seu momento, como nas repercussões na nossa identidade.
The Anarchy: The East India Company, Corporate Violence and the Pillage of an Empire, William Dalrymple
A história de como a Companhia das Índias Orientais, com o seu exército e interesses privados tomou grande parte da Ásia (e a Índia em particular) e colocou no seu governo os seus empresários. Das consequências devastadoras que isso teve (e tem) na Índia e do peso que, o que o autor refere como “a primeira empresa multinacional”, teve na ascensão e queda do Império Inglês. Bem documentado e melhor escrito, lê-se como um romance, como quase todos os livros deste escritor historiador.
Fire from Heaven e The Persian Boy, Mary Renault
Os dois primeiros volumes da trilogia de romances históricos dedicados à vida e morte de Alexandre, O Grande. Publicados nos anos 70 e fruto de uma pesquisa exaustiva e uma evidente paixão pelo personagem, com todas as suas qualidades e defeitos. Transporta-nos para a época, para os vários lugares por onde passou Alexandre e a marca que neles deixou.
Os outros
Gostei de todos. Só não me impactaram tanto como os que entraram para a lista de preferidos. Culpa da história em si, da maneira como foi contada, uma mistura de ambos ou até a minha disposição do momento. Nenhum me deu vontade de abandonar a leitura e, dependendo da pessoa e da situação, poderia recomendar qualquer um destes:
I’m a stranger here myself, Bill Bryson
Cantares Gallegos, Rosalía de Castro
The Jaguar, Salman Rushdie
The Stranger, Albert Camus
The man in the high castle, Phillip K. Dick
The catcher in the rye, J.D. Salinger
5 voltas na Bahia e um beijo para Caetano Veloso, Alexandra Lucas Coelho
El país de la canela, William Ospina
Homens imprudentemente poéticos, Valter Hugo Mãe
Selection day, Aravind Adiga
Ravan & Eddie, Kiran Nagarkar
North of Itaka, Eleni N Gage
Pelo mundo em bicicleta, Josie Due
The Colour of Magic, Terry Pratchet
Ursúa, William Ospina
Castro Laboreiro: Entre brandas e inverneiras, Luisa Pinto