Um copo de Grk

Há um pátio, por onde se entra por um arco de pedra com uma tabuleta em madeira : Vinarija Popić. Em cima de um barril está uma caixa com as garrafas que aqui se vendem, ao fundo do pátio duas portas abertas. À minha direita uma mesa comprida vermelha com dois bancos corridos, na sombra de trepadeiras e com vista para as vinhas que se estendem até ao mar. Verdes e azuis impossíveis interrompidos pelos cinzentos da pedra. Folhas e água e casas e igrejas, como em toda a ilha de Korćula.

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Num dos bancos um homem lê o jornal.Terá uns 60 anos, cabelo rente e grisalho, corpulento, cara redonda, olhos claros, t-shirt e calções. Entro e pergunto se se pode provar o vinho. Aponta para o banco em frente, para que me sente. ”English?”. Respondo que sim, achando que se refere à lingua em podemos comunicar. “Americana, England?” Desfaço o engano “Oh, no, Portuguese”.  Diz-me que fala um pouco de Alemão. Vou perceber depois que esta informação é um aviso: não fala inglês.

Sai e volta com um copo de branco e uma garrafa de tinto. “Grk, aus Lumbard”.  É aromático e fresco, mas adocicado no nariz. Na boca tem uma acidez marcada, mas equilibrada e faz jus ao nome: Grk significa amargo em Croata. Também significa grego, e foram de facto os Gregos que começaram por plantar estas vinhas em 400A.C., mas a uva é indígena desta região da Lombardia e não se encontra em nenhum outro local do mundo.

Explica-me mais ou menos isto em Alemão, com alguma palavras em Inglês. A comunicação não é fácil, mas entre as poucas palavras que ainda me lembro do Alemão, os muitos gestos e o que ele percebe de Inglês lá nos vamos entendendo.

A vinha de Grk tem ainda outra particularidade: tem apenas flores femininas. Para que haja a polinização cruzada, fertilização e subsequente formação do fruto – a uva – é necessária a presença de outra espécie de vinha que tenha flores masculinas, no mesmo terreno. Plavac Mali, uma das variedades de uva tinta croata mais conhecida é uma das melhores para esta “cooperação de géneros”.

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A familia Popić tem uma produção pequena e familiar, como muitos produtores desta zona.Três hectares, 8000 (ou 80 000, aqui falha-me o Alemão) garrafas por ano, para venda local. O negócio vem do avô, e o filho já está envolvido também.

Portugal economie katastrofie ya?” Tem sido uma pergunta recorrente. Isso e a desconfiança dos próprio Croatas quanto à entrada na União Europeia e no Euro. “No gut…” concordo. “Ist politics…money” diz, encolhendo os ombros. Pergunta-me se estou sozinha, pelo meu namorado. Respondo que teve de ficar a trabalhar. “Ahh. Work no gut, here aus

Depois do Grk provo o tinto, um Babić. A garrafa não está rotulada e não me deixa grande memória excepto o cheiro adocicado. Dá-me ainda a provar um  Prošek, vinho doce, de sobremesa, feito a partir de uvas passa. É semelhante ao nosso Moscatel, mas menos licoroso.

Conversamos mais um pouco, em substantivos, com os números desenhados na mesa ou contados pelos dedos. Conta-me que faz isto e tem uns apartamentos para alugar a turistas porque a reforma da empresa onde trabalhava não chega para nada: 500 euros. Diz que mesmo assim é melhor que na Bulgária, 350 euros. Diz que aluga um apartamento para a filha estudar, em Split e que só aí vão 300 euros. Pergunta-me quanto é em Lisboa e fica chocado com os preços.

Foi para isto que vim, sem saber muito bem ao que vinha. Foi para isto que segui caminho, perdida em estradas desertas, prestes a desistir. Para esta partilha, numa sombra, com um vinho, o mar ao fundo, as vinhas em frente, os sinos da igreja a tocar a cada 15 minutos. A sinalização é escassa e é dificil cá chegar sozinho, mas a recompensa foi melhor do que tinha imaginado.

No fim pergunto-lhe quanto é. Ri-se e faz sinal negativo com a mão “No, no. All gut”. Mostra-me a sala para as degustações “oficiais” (presumo que as dos passeios organizados por agências), a pequena sala com as cubas de alumínio para os brancos e as pequenas barricas para o tinto. “ Small, see?”

Saio com um sorriso. O sol começou a baixar e as vinhas reflectem agora uma nevoa dourada. O sino da igreja avisa as 17h. Sento-me num banco de pedra ao fundo da rua e começo a escrever.

 

2 thoughts on “Um copo de Grk

    1. Eu não tinha hotel de 5 estrlas e soube-me bem mesmo assim 🙂 Mas o hotel de 5 estrelas podia lá estar que a experiência seria igual. Haja orçamento.

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